Por bastante tempo, alguns pensadores explicavam o atraso socioeconômico do Brasil devido à preguiça inata do brasileiro. Tal atributo, acreditavam, haviam sido herdados por nossa raça da mestiçagem, isto é, do cruzamento entre distintos povos.
O diplomata francês Conde de Gobineau, que esteve no Brasil em 1870, fez a seguinte anotação sobre o povo brasileiro: "toda mulata, com sangue viciado, espírito viciado e feia de meter medo".
Esse preconceito difundido como ciência no final do século XIX ficou arraigado na cultura popular e até os dias atuais há quem acredite na validade da sentença.
A ideia do brasileiro preguiçoso foi fartamente representada na literatura nacional, para ficar em apenas dois exemplos, lembramos de dois ícones, como o Jeca Tatu (1914), de Monteiro Lobato e Macunaíma (1928), de Mário de Andrade.
Macunaíma queria apenas brincar e explorar a exuberância da floresta tropical, era um anti-herói.
O Jeca Tatu, de Lobato, tornou-se um símbolo. A caricatura pintada pelo escritor paulista mostrava o caboclo acocorado, avesso à civilização e ao progresso.
Uma visão negativa a respeito do homem brasileiro, sem dúvida.
Entretanto, em 1918, Monteiro Lobato pede desculpas ao Jeca, mudara de ideia em virtude de suas novas experiências, ampliação das redes de sociabilidade e contato com as ideias médico-sanitárias. Lobato publicou no prefácio de seu livro o pedido de desculpas, dizendo que antes ignorara o estado mórbido do caboclo. Se o Jeca era preguiçoso e improdutivo era por causa da doença, fruto do abandono dos sertanejos pelos bacharéis da República.
Sem políticas públicas de educação e saúde, o que restava aos camponeses, senão o analfabetismo e as moléstias que afligiam a população, principalmente os mais humildes e os desamparados.
Quando constatou o déficit de saúde do homem brasileiro, Monteiro Lobato com sua sensibilidade e inteligência passou a defender a revitalização de seus patrícios. Na imprensa publicava artigos, depois enfeixados em um livro - "Problema Vital" (1918) - advogando a necessidade de sanear o país. Para o criador do Jeca Tatu, o problema econômico e político derivava da falta de saúde, afinal, o que um povo tomado pelo amarelão ou empaludismo conseguiria produzir?
Lobato argumentava que o brasileiro era um homem como o seu semelhante italiano ou inglês, não importava a nacionalidade, mas por conta da morbidez era um homem em estado latente. Urgia tratá-lo, educá-lo e alimentá-lo para só depois cobrar-lhe a produtividade no trabalho.
Num vasto hospital como fora diagnosticado o Brasil, nas primeiras décadas do século XX, o que esperar de uma população senão apatia e incapacidade de competir e alinhar-se aos países capitalistas centrais, cujos habitantes já contavam com hábitos de higiene e políticas de saúde?
A defesa sanitária, da educação e da saúde de Lobato e dos médicos foram clamores do século passado, contudo ecoam muito bem até hoje. O direito à saúde ainda não é para todos, metade das cidades brasileiras não possuem tratamento de esgoto e doenças evitáveis, como a dengue, ceifam centenas de vidas anualmente. A cruzada sanitária deve seguir viva, até que possamos ter um país saudável, sustentável e economicamente produtivo.
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