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Olhar histórico sobre "Memórias póstumas de Brás Cubas"

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É bom aproveitar a quarentena para estudar, ler, escrever e revisitar os clássicos da Literatura Nacional!

Estive relendo o velho Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), do maior escritor brasileiro - Machado de Assis - que obra!

Por meio da deliciosa trama construída ricamente por Machado de Assis, somos conduzidos por sua pena sofisticada à uma viagem de volta no tempo, ao Rio de Janeiro, no século XIX. Destaco uma parte do texto, na qual o gênio do autor nos coloca na sala de jantar dos Cubas, a rica família do protagonista, enquanto celebravam, com ilustres convidados, a queda de Bonaparte na Europa.

"Veio abaixo toda a velha prataria, herdada do meu avô Luís Cubas; vieram as toalhas de Flandres, as grandes jarras da Índia; matou-se um capado; encomendaram-se às madres da Ajuda as compotas e marmeladas; lavaram-se, arearam-se, poliram-se as salas, escadas, castiçais, arandelas, as vastas mangas de vidro, todos os aparelhos do luxo clássico".

Os hábitos descritos no jantar, como a preparação da mesa e o uso de louças foram trazidos pelo Brasil pela Família Real Portuguesa, em 1808, desde então a elite da colônia passou a adotar costumes à moda europeia. Vestir-se como os europeus, ir ao teatro, passear pelos jardins era elegante e mostrava como as elites brasileiras foram incorporando novas práticas ao seu cotidiano. Além das regras de etiqueta e das práticas do lazer, Machado de Assis enumera as expectativas da população do Rio, principalmente das classes abastadas, e representa os seus medos, por meio da presença constante das doenças causando temores nos personagens. Enfim, o autor capta o espírito de sua época e traduz em sua obra. 

Em outra passagem, o protagonista enamora-se com a filha da vizinha, a jovem Eugênia, porém, decide não ir adiante na sua relação, pois a garota tinha um problema de nascença que lhe incomodava.

"Uns olhos tão lúcidos, uma boca tão fresca, uma compostura tão senhoril; e coxa! Esse contraste faria suspeitar que natureza é as vezes um imenso escárnio. Por que bonita, se coxa? Por que coxa, se bonita?" 

Pobre Eugênia!  Esperava-se das mulheres naquela época que fossem férteis e saudáveis, aptas a procriar fidalgos igualmente saudáveis, os quais dessem continuidade ao nome da família. O destino da Eugênia foi terrível, recusada pela sociedade acabou marginalizada, afinal.

Os atributos necessários para a mulher ser considerada bela, naquela época, eram os braços, a cor da pele clara também ajudava, assim como a beleza do olhar. Mas sem dúvida, os braços femininos atraíam a atenção dos homens da elite no Império. Brás Cubas não os resistia, como ocorria quando estava com sua amante: "...Virgília cingiu-me com os seus magníficos braços,...". Ou quando a observava: "Via-a dali mesmo, reclinada no camarote, com os seus magníficos braços nus, — os braços que eram meus, só meus..."

Não menos interessante é a história do negro Prudêncio, um ex-escravo de Brás Cubas. Ambos cresceram juntos. Quando criança, Cubas brincava de montar, fazendo do escravo a sua montaria. 

Muitos anos mais tarde, Cubas reencontra o ex-escravo, agora liberto, numa situação embaraçosa.
Prudêncio chicoteava outro negro, seu escravo, por ter deixado o estabelecimento comercial para beber.

Machado de Assis, traz à tona elementos importantes da sociedade escravocrata brasileira no século XIX: a infância dos cativos, desde cedo tratados como "animais", "bestas"; a possibilidade de ascensão social dos libertos, por meio do pequeno comércio urbano de frutas, doces e quitutes; a busca de alívio do trabalho escravo na bebida; e a posse de escravo como meio para obter riqueza e mudar seu status social. 
Escravo de ganho.

Há muito mais passagens emblemáticas que tornam a obra uma das preferidas de todo o público, o que ajuda a explicar o sentido do adjetivo clássico!

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