13.3.23

Memória e poder

A memória é a capacidade que possuímos de armazenar certas informações que são adquiridas através de nossas experiências e do aprendizado. A memória é essencial para a vida do indivíduo e também possui uma função social muito importante para a coletividade. A memória coletiva tem estreita relação com a identidade dos povos e nações.


Nesse sentido, é a memória coletiva que nos interessa, sob a perspectiva das Ciências Humanas e Sociais.

Se esquecimentos ou perda de memória individual podem trazer problemas para uma pessoa, a falta de memória social pode provocar graves problemas na identidade coletiva de um povo. Um dos principais modos de se preservar a memória social é através da criação de arquivos históricos, onde os documentos são armazenados. Mas sempre há riscos de se perder tais registros, seja de forma involuntária, caso de acidentes, ou de modo premeditado, com a destruição deliberada de arquivos.

O incêndio no Museu Nacional,  no Rio de Janeiro, em 2018 destruiu Grande parte do acervo e do patrimônio histórico armazenado no edifício. 


Após a Revolução Francesa, no século XVIII, multiplicou-se o uso da memória coletiva como instrumento de governo. As datas nacionais passaram a ser celebradas com festas e comemorações oficiais, apoiadas por suportes como moedas, selos de correios, placas e a inauguração de monumentos com o intuito de recordar determinados acontecimentos políticos. Tais acontecimentos podem ser uma revolução, a chegada de um novo grupo ao poder, uma vitória ao fim de uma guerra etc. A ampliação do acesso à Educação será utilizada pelo Estado para construir a identidade nacional, por meio do culto aos símbolos e heróis nacionais, do ensino da língua comum etc.

Como a memória coletiva está ligada ao poder ela está sujeita a todo tipo de manipulação segundo os interesses do grupo social dominante.  Além disso, pode haver tensão e disputa entre os diferentes grupos pelo poder e pela dominação sobre a tradição e as recordações. Um caso emblemático de manipulação da memória é a adulteração de uma imagem fotográfica pelo regime Stalinista, na União Soviética. A fotografia que destacava o líder Lênin em um discurso no ano de 1917 foi alterada a fim de apagar a memória de Leon Trotsky, o qual disputou com Stálin a sucessão ao poder.

Trotsky está à direita, na fotografia original.

Stálin venceu e, como não admitia oposição a seu governo Totalitário, procurou apagar os registros de Trotsky. 

Trotsky foi removido da imagem.

Os focos de tensão pelas disputas de memória ocorrem frequentemente. No Brasil, por exemplo, observaremos dois casos recentes de conflito em torno da memória coletiva. Ambos ocorreram em 2021. O primeiro deles foi uma iniciativa da Prefeitura de Niterói, a qual fez uma consulta pública propondo substituir o nome da rua Coronel Moreira César para Rua Ator Paulo Gustavo. Noventa por cento (90,2%) votaram a favor da mudança. Mas por que alterar o nome da via pública? 
Defensores da mudança evocam o passado de Moreira César para justificar a substituição de seu nome. O Coronel que faleceu em 1897 durante uma batalha na Guerra de Canudos, tinha um histórico violento. Assassinou um jornalista com uma facada nas costas e reprimiu com violência os rebeldes que participaram da Revolta da Armada (1891-1894). Seu apelido era "corta-cabeças". O que você preferiria: se lembrar do ator ou de um militar sanguinário? A maioria votou que prefere a memória de Paulo Gustavo à preservação de uma homenagem ao Coronel "Corta-cabeças".

O último caso ocorreu em São Paulo, trata-se de um grupo que incendiou a estátua de Borba Gato. 


Os homens foram presos e responderão por associação criminosa, incêndio entre outros. Um dos responsáveis pelo ato alegou que pretendia abrir um debate público sobre a manutenção de uma estátua que homenageia um bandeirante que escravizava negros e índios. O ato, para alguns que consideram a homenagem indevida, é um protesto. Outros, contudo, acham que a ação é um crime sujeito às penalidades da lei. A situação é delicada, pois a estátua faz parte do patrimônio público, contudo exalta a memória de alguém que ganhava a vida escravizando e dizimando indígenas. A ação dos ativistas é um protesto legítimo ou deve ser tratada como um crime?

As disputas, conflitos e tensões pela memória continuarão a ocorrer. O historiador Jacques Le Goff nos lembra o quanto é importante a democratização da memória, essa missão é de todos, principalmente dos profissionais da história, da sociologia e do jornalismo que tem atuação constante neste campo.

Para Le Goff (1990) a

"... memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma a que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens" (pág. 478).


Bibliografia

LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas, SP Editora da UNICAMP, 1990. 

SILVA, K. V., SILVA, M. H. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo : Contexto, 2005.

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