Página II
Escolas que não funcionam, de quem é a culpa?
Certa vez, enquanto parei numa venda de secos e molhados, pedi um refresco e um pouco de toicinho e fiquei a ouvir a conversa de um lente local com o dono do estabelecimento. Não que quisesse ouvir, mas o tom elevado de suas lamúrias faziam-nas serem escutadas por quem estivesse por perto. Ademais, o assunto era tão sério que resolvi registrá-lo em minha brochura.
O mestre reclamava da falta de recursos do educandário, da demora em obter da administração materiais simples para o seu trabalho, desde o giz para quadro negro à folhas de papel almaço para os discentes realizarem trabalhos e pesquisas.
Ele contou que ao solicitar de seu superiores as folhas, fizeram-no mil perguntas e falaram que enviariam a requisição para a superintendência de apoio. Parecia bom, pois o professor receberia o que pedira. Contudo, depois de passar pelo crivo daquele órgão a ordem com a solicitação havia sido encaminhada à subsecretaria de controle orçamentário, para liberação ou não de recursos, depois de examinada, retornaria para o Apoio, que destinaria a permissão à escola para adquirir o produto. Resultado: um semestre perdido com a tramitação da papelada de um lado para o outro.
_Pra quê tanta repartição pública? Indagou o dono da loja.
_Ora, respondeu o educador, para servir de cabide de emprego! O governo eleito tem que encaixar seus asseclas nos órgãos públicos como retribuição e para assegurar votos nas futuras eleições. Explicou o mestre, deixando o lojista com a pulga atrás da orelha.
E não parou por aí, o professor reclamava do salário, falava que mal dava para sustentar sua esposa e suas quatro filhas. Dizia que as mulheres eram caras demais e a sua remuneração uma ofensa à quem estudara tanto e se dedicava à cuidar da formação de vidas humanas, de homens e de mulheres.
Quando parecia que as lamentações iriam cessar, o docente enrolou um pouco de fumo de rolo num pedaço de palha, acendeu o pitinho e continuou a resmungar:
_E o que dizer do serviço interno? Ninguém na escola respeita ninguém. A maioria dos pais e seus filhos, os alunos, se preocupam apenas em estar pela escola e não em viver a escola. Perde-se mais tempo preenchendo formulários e ouvindo bobagens em reuniões infrutíferas do que com o ato de ensinar. Nem vou lhe contar da carga horária sobre-humana que exigem de nós, tampouco falarei da infra-estrutura ou da ausência dela...
_Mas e os diretores e os supervisores e os coordenadores e os fiscais e o pessoal do apoio e etc e etc? Foi a pergunta do comerciante.
_São apenas nomes bonitos para cargos pouco úteis... Acho que farei como um de meus companheiros docentes, vou comprar uma granja, importar galinhas Wyandotte e começar o meu próprio negócio, quem sabe não faturo mais do que tentando ensinar para as paredes?! Emendou o professor.
Depois disso ele pediu uma dose de aguardente e foi-se, antes disse que iria ao boticário, pois o mesmo lhe receitaria um tônico para curar as fortes dores de cabeça que o mestre sentia quando deixava o trabalho.
Eu conclui que a escola adoeceu aquele pobre homem e, que ele sozinho, não daria conta de se opor a uma engrenagem tão pesada quanto a burocracia da política educacional. Ou você nada a favor da corrente ou morre afogado. O drama que acabara de ouvir também me fizera recordar de um estudo bíblico realizado no mosteiro, a luta de Davi contra Golias. Se nas escrituras Davi derrotou o gigante, na vida real as chances disso ocorrer eram bem menores.
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