22.5.15

Ensaio sobre o imaginário coletivo acerca dos índios

Quem são os povos indígenas?

Qual é a visão que a sociedade brasileira possui sobre as diferentes etnias que compõem o povo brasileiro? É fato que eles representam, hoje, menos de 1% do total da população brasileira, segundo o Censo do IBGE 2010, mas eles estão por aí, distribuídos entre 240 etnias que falam cerca de 150 línguas diferentes.

Tomando a sala de aula como um laboratório, tentei responder a primeira questão a partir de um exercício simples: solicitar aos alunos que representassem, por meio de um desenho, os povos indígenas do Brasil.

A amostragem, apesar de limitada, não apresentou surpresa. As representações só mostram índios seminus, caçando, pescando ou manuseando arcos e flechas.

O que nos deixa chocado é que passados mais de quinhentos anos da chegada dos portugueses ao Brasil, os estudantes do Ensino Fundamental II continuem reproduzindo algo semelhante ao que escreveu Pero Vaz de Caminha em sua famosa Carta do Achamento do Brasil, escrita entre 26 de abril e 2 de maio de 1500.

Eis uma descrição que Caminha faz dos índios com quem teve contato:

"Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas." (Carta do Achamento do Brasil, 1500).

O relato de Caminha em nada difere dos desenhos feitos pelos estudantes em 2015, portanto 515 anos após o "achamento" do Brasil. Tal feito pode ser entendido a partir do conceito de longa duração, que é a temporalidade de uma estrutura, desenvolvido pelo historiador Fernand Braudel (RODRIGUES, 2009).
Desenho feito por estudante do 6º ano do Ensino Fundamental.

Nenhum estudante representou a diversidade do modo de vida dos índios. Ninguém desenhou, por exemplo, um índio frequentando a faculdade ou trabalhando à frente da tela de um computador conectado à internet.

Isso nos faz pensar que a Educação falha em apresentar aos alunos a sociodiversidade do povo brasileiro, especialmente a situação dos índios.

Acreditamos que esse fenômeno ocorra devido a permanência de uma visão eurocêntrica dos povos indígenas no imaginário coletivo. Essa permanência é reforçada por diversos meios, a mídia, as telenovelas, os filmes, a escola e instituições culturais que teimam em repetir a fórmula de Caminha ou a idealização do indígena feita pelos escritores do romantismo brasileiro, no século XIX. Assim, essa visão do índio vem sendo perpetuada e chega até os dias de hoje.

A visão do índio nu, vivendo no meio do mato inculcada no imaginário coletivo em nada contribui para a compreensão da realidade dos povos indígenas contemporâneos. Ao contrário, apenas fortalece uma ideia equivocada que o senso comum possui sobre os índios brasileiros. 

O equívoco é visível quando nos deparamos com afirmações do tipo índios que se vestem como brancos e usam celular "estão perdendo sua cultura" (Fonte: http://www.axa.org.br/reportagem/as-10-mentiras-mais-contadas-sobre-os-indigenas/).

Afirmações assim acreditam que a cultura dos índios é imutável, que ficou estacionada no tempo e que ela não pode se apropriar de novos valores e costumes.

Criança indígena brincando com telefone celular.

 Caso isso ocorra, a cultura perde a sua originalidade e o índio deixa de ser índio...

A representação errônea do índio reproduzida pela escola e pelos meios de comunicação é uma prática etnocêntrica que "consiste em privilegiar um universo de representações propondo-o como modelo e reduzindo à insignificância os demais universos e culturas "diferentes". (CARVALHO, 1997).

Quando privilegiamos uma visão e reproduzimos, acriticamente esse modelo, acabamos concretizando o que Pierre Bordieu classifica de "violência simbólica".

Portanto, ampliar os horizontes de informações e conhecimentos acerca dos povos indígenas é uma necessidade pedagógica e social para superarmos o colonialismo cognitivo, e romper com a ideia de que a cultura hegemônica é superior às culturas de grupos que fazem parte de minorias sociais.

Para tanto é necessário formação continuada para os educadores, disponibilidade de materiais didáticos atualizados nas escolas para que possamos efetivar a Lei Nº 11.645/2008, que insere no currículo das escolas o Ensino da Cultura e da História dos afrodescendentes e dos índios.

Ensinar o aluno a compreender um universo que vá além do idealismo com o qual tem-se tratado a temática indígena é uma forma de fazê-lo compreender  que a cultura de um etnia não é imutável. Pelo contrário, ela pode trocar influências, práticas e costumes com outras culturas sem perder sua identidade. Ademais, "o índio é que se garante" (Eduardo Viveiros de Castro, 2006).

DE OLHO NO ENEM - 2017. QUESTÃO SOBRE O DIREITO INDÍGENA SOBRE A TERRA

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