O grande historiador francês e um dos fundadores da célebre Escola dos Annales - Marc Bloch (1886-1944) - afirmou que a História é "a ciência dos homens no tempo" e que o seu objeto de estudo é, por natureza, o homem.
Para proceder ao estudo do homem e de suas ações no tempo, é imprescindível para o trabalho do historiador recorrer às fontes históricas. O eminente medievalista francês, Jacques Le Goff, ressalta a importância dos documentos na pesquisa histórica, evocando as palavras de Samaran, para quem "não há história sem documentos" e Lefebvre, segundo o qual "não há notícia histórica sem documentos". (História e Memória, 1990 p. 285).
Na Europa no final século XIX, a escola positivista determinava que as fontes, principalmente documentos escritos de caráter oficial, seriam determinantes para o trabalho do historiador.
A respeito da manipulação do documento pelo historiador oriundo do método positivista, Fustel de Coulanges orientava que seu trabalho:
A respeito da manipulação do documento pelo historiador oriundo do método positivista, Fustel de Coulanges orientava que seu trabalho:
"... consiste em tirar dos documentos tudo o que eles contêm e em não lhes acrescentar nada do que eles não contêm. O melhor historiador é aquele que se mantém o mais próximo possível dos textos" (COULANGES, 1888 apud LE GOFF, 1990. p. 283).
Nessa perspectiva historiográfica, o documento é tomado como prova irrefutável da verdade histórica, não comportando interpretações pessoais, o que sugeria uma pretensa neutralidade da história-ciência.
Ainda sobre historiografia da escola positivista é importante ressaltar que ela privilegiava o estudo da política, da história diplomática e militar, além da vida dos personagens ilustres, em detrimento de temas recorrentes que passaram a ser escrutados pelos pesquisadores dos Annales, a partir de 1929. Temas como a família, a morte, a cultura popular, a longa duração, a permanência de estruturas sociais e mentais ao longo do tempo foram eleitos pelos adeptos da "nova história" como os assuntos prioritários em suas pesquisas.
A revolução historiográfica dos Annales contrapunha-se ao método positivista. A partir daí, a história não se dedicaria mais apenas à dimensão política, mas passaria a analisar todas as atividades humanas, em suas vertentes culturais, sociais e econômicas. Para tanto, a escola francesa que fundou a "nova história" pregava a necessidade dessa disciplina recorrer à interdisciplinaridade, isto é, a colaboração de métodos e conceitos de outras ciências e ramos do saber, como a economia, a sociologia, a linguística e etc.
Além disso, a proposta dos Annales mudou radicalmente a noção de documento histórico, bem como a abordagem que o historiador deveria ter com relação às suas fontes de pesquisa.
Se antes os documentos escritos e oficiais eram fundamentais para o fazer histórico, agora essa noção havia sido dilatada, fazendo emergir outras fontes de pesquisa para o historiador. A esse respeito, Samaran deixa claro a necessidade de haver uma revolução documental, tal qual foi perpetrada pelos Annales: "Há que tomar a palavra 'documento' no sentido mais amplo, documento escrito, ilustrado, transmitido pelo som, a imagem, ou de qualquer outra maneira" (SAMARAN, 1961 apud LE GOFF, 1990. p. 285).
Após 1930, o escopo documental aumentou significativamente, basicamente, qualquer vestígio humano - material ou imaterial - tornou-se um objeto passível de ser estudado na metodologia proposta pelos Annales.
Outro aspecto que sofreu significativa transformação foi o tratamento dispensado pelo historiador em relação ao documento. Após 1929, o documento deixou de ser visto como um repositório da verdade histórica. Agora o historiador enxerga o documento como algo que deve ser investigado e questionado, além de ser relacionado com o seu contexto de produção. Era a história-problema. A crítica documental tornou-se um método fundamental para a compreensão da história e as fontes passaram a ser compreendidas como "um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder" (LE GOFF. op cit. p. 288). Cabe ao historiador se apropriar da realidade histórica, desmontá-la e, por meio da análise das fontes, dos indícios e da interdisciplinaridade compreendê-la. Importante ressaltar que, com o advento dos Annales, a pretensa neutralidade da história e do historiador foi severamente questionada. A esse respeito LE GOFF esclarece que:
"A intervenção do historiador que escolhe o documento, extraindo-o do conjunto dos dados do passado, preferindo-o a outros, atribuindo-lhe um valor de testemunho que, pelo menos em parte, depende da sua própria posição na sociedade da sua época e da sua organização mental..." (LE GOFF, op. cit. p. 289).
Portanto, o historiador e os documentos não são capazes de ficarem alheios às influências de seu tempo, por isso o estudo histórico exige rigor, na tentativa de desvelar os segredos e as intencionalidades que ficam sob o véu das fontes e dos acontecimentos. Mas a pesquisa histórica também exige flexibilidade do historiador, pois, segundo Marc Bloch, "a história não apenas é uma ciência em marcha. É também uma ciência na infância: como todas aquelas que têm por objeto o espírito humano" (BLOCH, 1944. p. 35).
Sendo a história uma ciência em marcha, ela está em constante mutação metodológica e seus meios de produção de conhecimento nem definiram métodos rigorosos, matematicamente estabelecidos, tampouco seus resultados são convergentes para uma única explicação. Bloch lembra que o "monismo da causa seria para a explicação histórica simplesmente um embaraço" (BLOCH, 1944. p. 111).
Ademais, modelos explicativos no sentido galileano já se mostraram insuficientes para dar conta das particularidades da história.
Mais do que fórmulas e metodologias rigidamente definidas, o campo da pesquisa em história continua em aberto, com amplas possibilidades para abordagens e estudos, num caminho que ainda está longe de ser totalmente explorado.
Bibliografia básica
BLOCH, Marc. Apologia da História ou Ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.
LE GOFF, Jacques. “Documento/Monumento”. In: História e Memória. Campinas, SP: Editora Unicamp, 1994.
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