19.1.15

E tudo começou num cupinzeiro...

Não é raro as pessoas se perguntarem sobre a própria origem. Como tudo começou? De onde viemos?

A Ciência tem suas explicações. Uma das mais estudadas e aceitas no meio acadêmico e escolar é a Teoria da Evolução, elaborada pelo cientista inglês Charles Darwin. Segundo ele:

"...todos os seres vivos tiveram sua evolução a partir de um ancestral comum. As mudanças ocorridas e as diferenças entre as espécies deram-se pelo processo de seleção natural, no qual os indivíduos que melhor se adaptam ao meio ambiente sobrevivem, deixando descendentes, que por sua vez também sofrem alterações em seu mecanismo biológico e deixam novos descendentes formando um círculo..." (Infoescola)


Na teoria de Darwin, o Homem levou milhões de anos para evoluir e atingir o estágio atual.

Mas não pense que só a Ciência é a dona da verdade. Há várias outras explicações sobre o surgimento do Mundo e de todas as suas espécies. Em várias culturas de povos que vivem em diferentes lugares do planeta, existem mitos e lendas que explicam o começo de tudo, porém diferente da Ciência, a qual tenta compreender e esclarecer as coisas a partir de hipóteses, teorias, fórmulas, provas, experimentos e outros meios que lhe assegurem maior percentual de acerto.

No livro Terra Grávida, de Betty Mindlin (2001), a pesquisadora reúne diversas narrativas de povos indígenas de Rondônia. A seu modo, estes povos, relatam a criação e a origem do Mundo e dos Homens. 



A obra é repleta de passagens interessantes e belas histórias contadas por descendentes de índios da região norte do Brasil. Os narradores abordam vários assuntos relacionados à origem da vida, dentre outros aspectos de sua cultura e sua cosmogonia. Mas destacaremos aqui um trecho do povo Aruá,  que fala sobre o surgimento dos primeiros Homens.


Povo Aruá. Rondônia. Fonte: http://pib.socioambiental.org/pt/povo/arua/1664


"Havia dois irmãos, Andarob, o irmão mais velho, e Paricot, o mais novo. Tinham uma irmã, Antoinká.

[...]

Não existia mulher alguma - só a irmã dele.

Não tem esse munduru, aquele cupim? Um montinho de terra? Aquele foi a mulher de Deus. Ela era mulher; o buraco do cupim era como vagina de mulher, por lá Paricot tinha relação com ela. Txapob, o buraco do cupim, era como se fosse a vagina da mulher.


O cupinzeiro - a mãe dos Aruá. Acervo do Autor. Ibitipoca, 2015.

Só que foi muito depois que Deus descobriu gente, nós índios - gente existe há milhões de anos, só que não temos escrita, essa história vai passando de pai para filho, de um para o outro.

Quando Paricot estava trabalhando para fazer o mundo, não se interessava por comida, por fogo.

Saía de um lugar para outro, achava bonito o mundo, andando, andando. O que ele pensava, surgia, bastava falar para existir.

Só Paricot fazia, o irmão não fazia, vivia só deitado. A vida do irmão era só comer, dormir, e nada mais. Paricot é que trabalhava.

A mulher de Paricot, o cupim, ficou grávida. A gravidez não era como a de hoje, só de um filho. Ela é a terra, a terra é que engravidou. Paricot engravidou a terra de vários tipos de gente, vários povos, que tiveram um só pai." (p. 52-54).


Como podemos perceber, a resposta dos Aruá para explicar a origem dos homens é bem diferente daquela apresentada no início do texto, que segue o modelo científico, típico de nossa sociedade urbano-industrial.

Enquanto a sociedade "civilizada" se pauta na escrita, na coleta de informações, na formulação de hipóteses e análise de dados para tentar compreender os fenômenos que a cercam, as explicações indígenas são resultado de seu passado e da estreita relação que eles estabeleceram  com a natureza, cultuando-a como a Mãe do Universo e de seus seres. O conhecimento dos índios, até então, era mantido pela oralidade, uma prática que vem sendo passada de geração a geração.

O nosso modelo científico tende a tratar esses mitos e lendas com reservas e preconceitos, como se fossem manifestações culturais inferiores e de menor importância para o Saber. Contudo, não devemos desprezar culturas diferentes. 

Segundo a Antropóloga Betty Mindlin (2001):

"Cada povo tem uma forma de responder, uma tradição diferente da de outros povos, fundamental para definir sua identidade, juntamente com a língua, o território, a economia, a organização social, a cultura e os costumes." (op. cit. p. 15).

Assim sendo, devemos respeitar as tradições e crenças de outros povos, mesmo que elas sejam diferentes das nossas. E precisamos considerar também que a nossa Ciência é falha e ainda não tem as respostas para todas as nossas perguntas.

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