14.11.13

O Correio do Carmo (1929-1943)

O jornal Correio do Carmo circulou na cidade do interior carioca de 1929, data de sua fundação, até o ano de 1943.
No centro cultural do município há muitos exemplares do periódico disponíveis para a consulta do público. (Saiba mais informações sobre o acervo clicando aqui). 
Artigos antigos expostos no Centro Cultural do Carmo (RJ)

Neste levantamento preliminar que estamos fazendo, identificamos diversos assuntos interessantes abordados pelo Jornal, que vão desde os temas locais até os grandes acontecimentos do Brasil e do exterior, o que reflete a  marca da contemporaneidade e a influência do contexto histórico sobre as publicações.

Encontramos nos periódicos reclamações corriqueiras - ainda presentes nas rodas de conversa da atualidade - sobre o abandono das estradas locais e a falta de manutenção das rodovias. Uma nota do jornal, publicado em janeiro de 1938, diz:

"Ha cerca de 15 dias, porém, adoptando um criterio qualquer, o fiscal desses serviços fez remover-se aquella turma para outro municipio, contrariando assim as necessidades das nossas rodovias que se encontram actualmente, de todo intransitaveis, em virtude das chuvas"

Outra reclamação bastante comum nos dias de hoje é sobre o imenso número de cães soltos pelas ruas da cidade. Sobre esse tema o periódico noticiou o seguinte em 1935:

"Mais uma vez temos chamado a attenção das autoridades para a matilha de cães que comumente existe na cidade. As providencias que tem sido tomadas, nenhum resultado pratico tem produzido, pois ainda na semana passada foi atacado por um desses animaes um filho do sr. Silverio de Araujo Lima, que seguio para o Rio afim de ser submetido a tratamento."

Perceba que os cães abandonados nas ruas fizeram uma vítima, a qual precisou seguir para a Capital do Estado para receber tratamento médico. Esse problema que, além de ser pouco higiênico, pode trazer ainda mais transtornos, como por exemplo, transmitir doenças para as pessoas.

Infelizmente, 75 anos após a publicação dessas notas no jornal, nossa realidade atual guarda muitas semelhanças com um passado distante.  Parece que os administradores públicos não aprenderam com os erros do passado, como por exemplo, manter uma rodovia em condições ideais para o tráfego de veículos e manter animais abandonados em um canil público.

Há também assuntos internacionais de grande relevância no mundo daquela época, como a consolidação dos regimes totalitários na Europa. Vimos diversos textos tratando sobre as ditaduras europeias, alguns criticando, outros exaltando as virtudes de tais regimes governamentais.

Na edição número 172, de fevereiro de 1937, o editor critica a justiça na Itália fascista de Benito Mussolini (1883-1945). O artigo diz: "Pela simples razão de um indivíduo ser anti-fascista, é submetido á julgamento condemnado e executado, sem ao menos terem conhecimento da sentença os parentes da vietima".

O ditador italiano não foi poupado pelas páginas do Correio do Carmo.

"Creado por Mussoline funcciona na Italia um Tribunal Especial unicamente para condemnar os inimigos do regimen." Continua o texto, buscando esclarecer a função do Tribunal de silenciar os opositores do governo italiano daquela época.

A este respeito, o Historiador João Fábio Bertonha afirma que para manter o governo autoritário, o duce "dispunha da temida Ovra - a polícia secreta encarregada de vigiar, prender e eliminar opositores -, de leis contra os antifascistas e de um Tribunal Especial para a Segurança do Estado, que aplicava essas leis; em sua curta história, esse tribunal distribuiu 27 mil anos de prisão aos inimigos do regime. Muitos antifascistas morreram na prisão ou no exílio..." (BERTONHA, João Fábio. Fascismo, nazismo, integralismo. São paulo: Ática, 2003. p. 20).  

O uso indiscriminado da força e da manipulação da justiça é algo muito comum na estrutura de governos ditatoriais. Nesses casos, os opositores desses governos são alvos de perseguição e torturas e, na maioria das vezes, têm seus direitos básicos negados, tal como o direito a defesa e a ter um julgamento justo, fato denunciado pelo Correio do Carmo. 

Essa mesma edição também trouxe um texto interessante sobre hygiene, relatando sobre o banimento do aperto de mão entre as pessoas na Itália.
Sobre esse gesto o autor do artigo expôs o seguinte:

"Sem finalidade, contrario a hygiene, importuno e irritante, o aperto de mão precisa ser banido. 
A Itália deu um grande exemplo. Merece imitadores." 

Julgava que o cumprimento entre duas pessoas era algo que contrariava a higiene pessoal, devido a transpiração da palma das mãos. Essa opinião está em consonância com a divulgação das práticas sanitaristas, que ocorreu ao longo das décadas de 1920 e 1930, preocupadas com a higiene das pessoas e o combate às endemias rurais e urbanas. Muitos intelectuais da época, tomavam os costumes europeus como referências, ideais de civilização, que deveriam ser seguidos pelo Brasil, como deixa claro o final do artigo.

Além dos assuntos corriqueiros locais, temas da política brasileira e internacional, o Correio do Carmo mantinha uma coluna social, registrando os casamentos, batismos e outros eventos que ocorriam na cidade. 
Os anúncios publicados nas páginas amareladas, e já desgastadas pelo tempo, chamam a atenção de qualquer leitor e pesquisador. Há inúmeros espaços destinados à publicidade, oferecendo serviços advocatícios, dentários, transportes de caminhão, alimentos, remédios milagrosos para syphilis, leilões e partidas de football. Em suma, uma variedade de serviços e atrações sócio culturais.


O anúncio acima pode ser visto em uma das edições de 1937, informa sobre a inauguração de uma Padaria, na Rua Conego Gonçalves que disponibilizava diariamente pães de varios typos, roscas e biscoutos. Muitas delícias, não acha?

Como se pode notar, a grafia das palavras antigamente possui semelhanças e diferenças com o vocabulário atual. Muitas palavras, com significados idênticos, eram grafadas de forma diferente no passado, como biscoutos (biscoitos), typos (tipos), syphilis (sífilis) etc.

Um outro anúncio sobre o Commercio local lista os produtos básicos e seus preços, de acordo com a moeda da época - réis. Café, arroz, feijão, milho, ovos e galinhas deveriam ser essenciais para a alimentação das famílias carmenses. Não havia muita variedade de gêneros alimentícios, tal como há hoje, quando as pessoas quase se perdem entre as dezenas de prateleiras dos supermercados.  

O trivial - arroz, feijão, milho, ovos e carne, deveria ser complementado por verduras e legumes cultivados nos próprios quintais ou adquiridos nos estabelecimentos comerciais.

O salário mínimo na época, estabelecido pelo governo do presidente Getúlio Vargas em 1940, era cerca de 240 mil réis,  cuja finalidade era a de permitir aos trabalhadores suprir "suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte." (Art. 1º. DECRETO-LEI N. 2.162 – DE 1 DE MAIO DE 1940).

O salário mínimo da época deveria ser suficiente para garantir habitação, alimentação e outras necessidades das famílias.

Havia também espaço para diversão no Correio do Carmo, claro!



Na imagem acima, observe um anúncio esportivo, publicado em março de 1937, convida os leitores para assistirem a uma disputa de football, entre o Carmense A. Club x Sport Club Aurôra de Porto Novo.
Como será que as pessoas reagiram após o término do jogo? Acredito que não deveria ser tão diferente dos dias atuais, nos quais celebramos as vitórias e remoemos as derrotas do time de nossa preferência!

Esses são os resultados iniciais de nossa pesquisa sobre a História e Memória do Carmo, iniciada há pouco mais de dois meses. No centro cultural encontramos fontes históricas que podem nos ajudar a reviver memórias da cidade que estão impressas nas páginas dos jornais do século passado. O jornal é como se fosse um espelho de sua época, ele nos revela as influências que recebia, os modos de pensar, agir e nos ajudam a perceber como as pessoas viviam antigamente.
Esse é um exercício vital para o resgate histórico e cultural do município, além  de valorizar a identidade local.

Em breve, apresentaremos mais detalhes e mais produções sobre esse trabalho, que está apenas começando.

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