Não
é segredo para ninguém que o Brasil tem um passado marcado pela exploração do
trabalho escravo. Essa ferida ainda não foi totalmente cicatrizada. Ela fica
muito visível quando observamos as inúmeras desigualdades sociais entre negros
e brancos do país.
As
pesquisas revelam que, dentre os pobres, os negros são os mais pobres ainda;
eles têm menor média de escolaridade; são a maioria entre a população
carcerária, dentre outras mazelas sociais.
O
que talvez muitos não saibam é que a Cidade Bela não fugiu à regra da
escravidão e, no século XIX, também recorreu ao trabalho forçado dos negros.
No
livro Reminiscências de Carmo, escrito pelo memorialista carmense Afrânio Gismonti Machado, o autor teve acesso a fontes primárias, como,
por exemplo, o periódico O Carmense, de 1887.
Ele
reproduziu várias passagens que deixam claro como era a relação entre brancos e
escravos aqui no Carmo naquela época. Vejamos:
"O
Dr. Antonio Augusto Pereira Lima, distinto advogado residente nesta vila,
condoendo-se deveras do infeliz estado a que, devido a um enorme tumor que lhe
sobreveio sobre uma das pálpebras chegou o preto Manoel, então escravo do Sr.
Manoel do Carmo, libertou-o..." (p. 42).
O
excerto explicita a forma como os escravos eram tratados por seus donos - como
objetos, simples mercadorias. Note que no registro o Doutor concede a liberdade
para um escravo, mas o faz apenas porque ele não era mais capaz de ser
produtivo, afinal tinha ficado gravemente doente. Se o dono ficasse com esse
escravo, teria apenas prejuízo, alimentando-o e arcando com as despesas
médicas.
No livro, há ainda inúmeras reproduções do jornal O Carmense com informes sobre os cativos e avisos de recompensas para quem prendesse algum escravo fugido.
Diario de Minas, Ouro Preto, número 18, ano
1873.
|
"-
Causou tambem bastante sensação a noticia de um levantamento de escravos no
Sumidouro de Paquequer. A' principio as versões correrão muito encontradas; mas
ultimamente fez-se a luz, e os jornaes são accórdes em attribuir o levantamento
a uma noticia, sem fundamento, de que o finado fazendeiro Francisco Luiz
Pereira havia deixado livres em testamento a todos os seus escravos.
Nesta
persuasão e instigados sobretudo por pessoas desaffectas aos herdeiros de Luiz
Pereira, 57 desses escravos dirigrião-se a Magé, onde tencionavão embarcar-se
para vir a côrte, afim de fazerem valer seus suppostos direitos à liberdade,
quando alli foram aprisionados. Mas antes de sahirem da fazenda havia-se dado
um conflicto, no qual a força publica, dirigida pelo subdelegado, e tendo
penetrado na fazenda, della fora repeliida pelos escravos que se tinhão armado
com fouces. Este sucesso, porem, foi simplesmente local.
Nas
fazendas visinhas, felizmente, a tranquilidade publica e a segurança individual
não tinhão sido perturbadas."
Perceba
que os escravos da fazenda do finado Francisco Luiz Pereira eram numerosos e,
nesse levante, chegaram a enfrentar e afugentar as forças policiais da Villa do
Carmo. O fato demonstra a resistência dos negros ao cativeiro. Quando tinham
uma chance de liberdade, eles se agarravam a ela e lutavam.
A notícia da revolta de escravos correu a província do Rio de Janeiro e chegou até Ouro Preto, em Minas Gerais, pois o assunto interessava a toda a sociedade, principalmente aos brancos e senhores de escravos. Havia um temor entre as elites brasileiras de que a ocorresse no Brasil uma revolta negra (o haitianismo), tal como ocorreu no Haiti, no fim do século XVIII.
Por isso, o jornal termina tranquilizando a todos, afirmando que a ordem estava assegurada na região e que o incidente foi apenas local. A última frase da notícia deixa claro o medo que paraiva entre os brancos, os quais tinham receio de que ocorresse uma rebelião generalizada dos escravos, culminando na morte dos brancos pelos negros e no controle do império pelos homens de cor.
Para saber mais sobre o nosso passado é possível pesquisar em
várias fontes. Temos a Hemeroteca digital da Biblioteca nacional, onde encontramos
o Almanack do Carmense, de 1888; no Centro Cultural da cidade, há
exemplares do Correio do Carmo, com edições de 1929 a 1943, e há também os valiosos
registros paroquiais do século XIX, que estão muito bem guardados na secretaria
da Matriz Nossa Senhora do Carmo, porém não acessíveis para pesquisa.
Enfim, ainda temos muito para pesquisar e para descobrir sobre a História do Carmo, mas o trabalho já foi iniciado e, aos poucos, seus resultados serão apresentados em nosso Blog, o Acrópole – História & Educação, e na Coluna do Historiador, do jornal CIEP NEWS.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado pelo comentário.