25.10.10

Alguns grandes desafios para o novo presidente da República


O presidente eleito no dia 31 de outubro terá grandes desafios quando iniciar o exercício de seu mandato em 2011 e, talvez, quatro anos de governo não sejam suficientes para que ele, ou ela, consiga vencer todos eles.
 Além de zelar por áreas vitais à sociedade, como infraestrutura, cada vez mais precária e entregue à iniciativa privada, o que gera ônus em dobro para os contribuintes e revela as limitações do Estado em gerir seus problemas, terá que olhar com bastante atenção para o aumento do consumo de drogas. Tal fato tem movimentado o submundo do crime e colocado em cheque a segurança dos cidadãos.
Atentar para a saúde pública e investir em políticas preventivas e na qualificação dos recursos humanos – construir hospitais e equipá-los - não basta para termos uma saúde de qualidade. O mesmo vale para a educação pública, cujos resultados das avaliações externas, que têm significativo peso no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), mascaram a dura realidade da educação pública no Brasil.
            O novo presidente terá que “arregaçar as mangas” para enfrentar a corrupção, um dos principais males do Estado. Para tanto, terá que contar com a ação e a parceria dos poderes Legislativo, Judiciário e, claro, dos cidadãos. Enquanto existirem instaladas no Estado brasileiro quadrilhas de políticos mafiosos e esquemas de desvio de recursos e outros artifícios que beneficiam um grupo restrito de políticos e agentes públicos continuaremos com uma democracia claudicante, incapaz de promover as reformas e melhorias essenciais para a vida coletiva.
            Além disso, o representante do poder executivo terá que encontrar uma maneira de transformar os programas de transferência de renda (Bolsa Família) em um meio para se atingir a um fim e não um fim em si mesmo, como tem sido praticado nos últimos anos. Algo difícil de se fazer, que exigirá coragem política, pois a atual característica do programa favorece, e muito, a conquista de votos, por isso constitui-se, a permanecer nestes moldes, em um programa “eleitoreiro” que não liberta a população que dele sobrevive.
            O que dizer dos eternos desafios e reformas – a administrativa e a política, por exemplo? Quando estas forem bem feitas – com ampla participação da sociedade – conseguiremos fortalecer nossas instituições e torná-las mais impessoais, objetivas e capazes de atender às demandas da população e não somente aos interesses de particulares.
Ainda em âmbito interno, o presidente terá que se esforçar bastante para construir as alianças no Congresso e garantir a governabilidade, rever os planos ortodoxos da macroeconomia – manutenção de elevada taxa de juros, pesada carga tributária, controle sob a inflação etc, sem, contudo, perder ou reduzir a capacidade de investimento do Estado nas áreas fundamentais – saúde, educação, segurança e infraestrutra. 
No cenário externo, o Brasil – líder da América Latina – precisará olhar com cuidado para os vizinhos, muitos dos quais têm sido sacudidos por tentativas de golpes de estado, ditaduras disfarçadas por discursos populistas, enfim, são atormentados pela instabilidade política. Nas demais regiões do mundo, caberá ao chefe de Estado buscar novos mercados e forjar alianças sólidas com outros países que sejam traduzidas em oportunidades de empregos, renda e qualidade de vida para nosso povo.
             É, como podemos perceber, a vida de presidente não é fácil. Suas atribuições são muitas e é necessária muita força para suportar a pressão da sociedade, dos órgãos de imprensa, e superar as derrotas e os imprevistos que ocorrerão no dia a dia. Aliás, ele sozinho não conseguirá nada, precisará da colaboração dos governadores, prefeitos, legisladores, membros do judiciário e da fiscalização popular para empreender um bom governo e apresentar bons resultados. Portanto, um novo pacto social é necessário, suprapartidário, para que o Estado brasileiro consiga prestar melhores serviços para seu povo, contribuindo para o seu desenvolvimento e bem-estar. 

Rodolfo Alves Pereira
Professor da Rede Estadual de Educação de Minas Gerais e do Rio de Janeiro.

*Texto publicado no Jornal Tribuna do Povo. Nº 591. 31 de Outubro de 2010.

24.10.10

Antiga denúncia de uma Velha praga


Nos meses de agosto e setembro com a escassez das chuvas a vegetação das planícies e montanhas de várias partes do Brasil é vorazmente consumida pelas chamas que ardem por horas, queimando as plantas secas durante o dia e também à noite, quando protagonizam um belo, mas trágico espetáculo visual, cortando os campos e enchendo o ar com fuligem e mato carbonizado.
            Com o pasto seco e os ventos favoráveis, as chamas perdem a timidez e avançam como tropa de infantaria – destruindo e devastando tudo o que vêem pela frente.
            Nesse período, as queimadas ganham as manchetes dos jornais e os noticiários das rádios e televisão, porém, ano após ano o ciclo tem se renovado, permanecendo inalterado. Entretanto, a denúncia de tal prática via imprensa não é uma novidade, em 1914 um dos maiores escritores brasileiros – Monteiro Lobato – criador de Jeca Tatu e do Sítio do Pica-pau amarelo registrava nas páginas do jornal Estado de São Paulo uma dura crítica às queimadas, que reduziam vales e serras inteiras a um “cinzeiro imenso”.
Lobato apontava os prejuízos que resultavam das queimadas, a saber, a perda de nutrientes e sais minerais do solo, destruição de florestas e de animais silvestres e os problemas que, posteriormente, acometiam a agricultura e a pecuária devido ao empobrecimento do solo.
Imputava ao Caboclo, considerado “inadaptável à civilização” e um seminômade que vagava pelo interior do país, a responsabilidade por atear fogo no mato. Ele queimava para abrir clareiras no terreno e plantar seu sustento – milho, arroz e feijão – mas logo que a terra demonstrasse fraqueza, abandonava-a e buscava outro sítio nos sertões do Brasil.
O incendiário atual queima o mato quando joga lixo e cigarro nas estradas ou, por simples diversão, põe fogo nas montanhas próximas às cidades, embora coexista com os exemplos de queimadas nas áreas rurais, para fins agrícolas.
Hoje, além dos problemas apontados por Lobato, as queimadas indiscriminadas poluem o ar, e sua fumaça dificulta a visibilidade nas rodovias e no espaço aéreo, podendo causar graves acidentes, contribuem com o surgimento de doenças respiratórias nas pessoas, danificam redes de transmissão e telefonia, além de ameaçarem centenas de casas e famílias que ocupam cada vez mais morros e encostas.  
Os danos que as queimadas criminosas infligem à natureza e à sociedade parecem ser ainda mais contundentes do que os gerados no passado, contudo, um pouco mais de consciência e respeito pelo meio ambiente, por parte dos cidadãos, ajudaria na contenção desta velha praga que ainda teima em atormentar nossa história.  

Rodolfo Alves Pereira
Professor da Rede Estadual de Educação de Minas Gerais e do Rio de Janeiro

(Texto publicado no Jornal Tribuna do Povo - Leopoldina, MG e mencionado em um Editorial do Diário de Jacareí, Jacareí, SP)

19.10.10

A coitada da burocracia


Nos noticiários da TV, nos bancos da praça, nas filas das agências bancárias, da prefeitura e de órgãos estatais é comum ouvirmos a mesma reclamação: “A culpa por essa demora e pelo atraso é da burocracia”. A burocracia é tão apedrejada em nosso país que deveríamos sofrer uma sanção da ONU, tal qual a recente pressão da comunidade internacional sob o Irã, onde uma mulher foi condenada à morte por pedradas.
            Até mesmo em discursos políticos é possível notar ataques à burocracia, que é associada popularmente com a burrice (“burrocracia”). Não se fala da gestão e dos gestores que utilizam o instrumento administrativo chamado burocracia. Desvia-se o foco da crítica para a ferramenta e não se olha para quem a manuseia, ou seja, gestores e funcionários tanto do setor público quanto do privado. É mais cômodo transferir o problema para o “sistema” e para a burocracia do que admitir a existência de problemas gerenciais no Estado.
            Tais problemas ocorrem, sobretudo, quando não conseguimos dissociar o que é público do que é privado. Isso pode ser visualizado quando esbarramos em normas da burocracia, seja em um banco, prefeitura, autarquias etc, ou quando necessitamos da prestação de algum serviço. A burocracia moderna propõe a racionalização da administração, a qual deve ser impessoal e executada por especialistas qualificados para suas funções, não deve enxergar classe socioeconômica ou a cor daqueles que recorrem a ela, deve olhar para a pessoa e ver um cidadão, ponto final. (Ver Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil). A normatização burocrática isto é, as regras do jogo que tanto criticamos, servem, justamente, para garantir que todo cidadão que necessite de um serviço, seja atendido igualmente, de acordo com as regras previstas, o que inclui aí prazos para a prestação de serviços, espera em filas e preenchimento de formulários...
            E é neste ponto que a prática burocrática irrita muitos cidadãos, pois as regras não são respeitadas. Enquanto alguns cidadãos têm que aguardar nas filas por atendimento ou esperar o cumprimento de prazos pré-estabelecidos para receberem a prestação de serviços, outros conseguem “burlar” as regras do jogo. Estes conseguem “furar” a fila e chegar até o agente de atendimento sem ter que aguardar sua vez, como as demais pessoas. Conseguem adiantar seus processos e pedidos de serviços, sobrepondo-os aos demais, inclusive, aos que já aguardavam deferimento antes de seu pleito.
            As maneiras para se conseguir estas vantagens são inúmeras, desde possuir ou construir relação de amizade com os agentes públicos/privados até os casos mais graves e passíveis de punição administrativa e judicial, o que é comumente chamado de suborno, quando há uma tentativa de “comprar” o agente para receber em troca benefícios e adiantamentos por parte da administração. Aí é que as relações privadas podem afetar o serviço público, beneficiando alguns e prejudicando muitos outros.
            Enfim, o que queremos destacar é que a burocracia não pode ser apontada por todos como o mal causador de nossos problemas e do atraso nacional. A burocracia, se bem empregada, existe para facilitar a vida das pessoas/cidadãos. Seus mecanismos são compostos com base na impessoalidade administrativa, o que pressupõe um atendimento igual para todos que precisam dos serviços do poder público, independente do sobrenome da pessoa e de sua condição social e financeira ou se ela é amiga ou desconhecida do atendente público. Se os agentes executores da burocracia o fizessem corretamente, com ética, probidade, qualificação e conseguissem distinguir com nitidez as esferas público x privado não haveria pessoas “furando” fila, pessoas sendo beneficiadas com aceleração de seus pedidos e nem pessoas sendo prejudicadas porque ficaram para trás na fila de espera.
Desse modo, as relações do agente com um cidadão que requer um serviço não afetariam em nada o processo de tramitação da requisição feita. O requerente teria que aguardar normalmente os prazos e seguir os ditames elaborados para atender a coletividade.
            Perguntamos agora, a culpa é da burocracia ou de quem a gerencia e a utiliza para benefício próprio ou para beneficiar seus amigos e parentes, em detrimento de pessoas que lhes são desconhecidas e nem têm “presentes” para lhes oferecer?
Parece-nos que as “pedras” estão sendo atiradas no alvo errado. Não adianta acabar com a burocracia, como clama grande parte da população, pois, se persistirem nas administrações gestores e agentes despreparados, desprovidos de ética e profissionalismo, o problema persistirá e continuaremos insatisfeitos com a prestação dos serviços de que necessitamos. Trata-se então de uma urgente reforma administrativa, o que passa por educação e treinamento profissional de qualidade, além de melhoria das condições de trabalho e dos planos de carreiras dos servidores. Tudo isso só é possível com boa vontade e competência política para que as medidas adequadas sejam tomadas em prol da sociedade.

Rodolfo Alves Pereira
Professor da Rede Estadual de Educação de Minas Gerais e do Rio de Janeiro.

Texto publicado no Jornal Tribuna do Povo.