6.5.16

As raízes do Terror

O mundo assiste pasmo aos intermináveis e sangrentos conflitos no Oriente Médio.

Em 2013, o grupo jihadista Estado Islâmico iniciou um ofensiva armada que resultou no domínio de territórios no Iraque e na Síria. Investindo contra as tropas desses países, declaram um califado, um governo independente, agindo com violência, destruindo locais históricos, assassinado jornalistas e civis. Uma coalização internacional, liderada por EUA e França tentam conter o Estado Islâmico, mas se opõe ao governo ditatorial da Síria. Do outro lado, a Rússia, que apoia o governo sírio, ataca, simultaneamente,  os jihadistas e os opositores do presidente Bashar al-Assad. 


Hospital em cidade da Síria foi acertado em bombardeios.

A guerra no Oriente Médio é brutal e as bombas não diferenciam militares de civis, homens, de mulheres e nem idosos de crianças, todos são alvos da intolerância religiosa e do radicalismo político que assola a região. 

Muitos sobreviventes do horror das guerras têm buscado refúgio na imigração, tentando entrar ilegalmente na Europa. Preferem enfrentar o mar, em embarcações superlotadas, num sonho dantesco, a se arriscar com os estilhaços de granadas que cortam o céu da terra natal. No mar outra guerra, naufrágios, o frio, a fome e a barreira da lei que restringe a entrada de imigrantes no Velho Mundo. O drama ganha contornos de tragédia e realça o sofrimento de pessoas desemparadas e esquecidas.


Imigrantes refugiados de guerra são abordados por autoridades no mar Mediterrâneo.

No ano passado, o conflito provocado no Oriente Médio chegou efetivamente ao solo europeu com os ataques contra a França, uma das principais rivais do Estado Islâmico, deixando mais de uma centena de mortos em Paris. O grupo islâmico assumiu a responsabilidade pelo atentado, como retaliação à França por participar de bombardeios contra alvos na Síria e no Iraque sob controle dos jihadistas.


Ataques do Estado Islâmico em Paris, 2015.

Como resposta, o atual presidente da França, François Hollande, em discurso ao seu povo, evocou o aspecto cultural para contrapor franceses e árabes e justificar a ofensiva do Ocidente no Oriente Médio. 

"Nenhum bárbaro vai nos impedir de viver como decidimos viver. O terrorismo não vai destruir a República porque a República vai destruir o terrorismo" (Discurso presidencial em 16/11/2015).


Destacamos a expressão "bárbaro", pois ela possui um forte significado identitário. O emprego desse termo objetiva criar um sentimento nacional contra um inimigo comum - os bárbaros, os terroristas, os inimigos vis e cruéis. No passado europeu, a palavra "bárbaro" legitimou invasões, conquistas e a escravidão.  

A História pode nos ajudar a compreender o porque de tanto ódio entre os povos do Ocidente e do Oriente ao investigar e explicitar a origem da barbárie.

É importante ressaltar que o Oriente sempre atraiu a atenção dos povos da Europa Ocidental desde a Antiguidade. Alexandre Magno conquistou a Babilônia no século IV a. C. e estendeu os seus limites até a Índia, depois foi a vez do Império romano tentar conquistar a Pérsia e tomar a Palestina como uma de suas províncias, no século I a. C. 

O Império islâmico iniciado no século VII se expandiu com força e velocidade pela Ásia, África e Europa, onde ocupou a Península Ibérica até o século XV. Ele se tornou um obstáculo à civilização europeia e uma ameaça a cristandade e só foi refreado no ano 732, na Batalha de Poitiers (França) quando os francos obtiveram vitória militar sobre os árabes.

Mapa da Europa Medieval representa a cidade de Jerusalém no centro do mundo.

Ao longo da Idade Média, o interesse da Europa sobre o Oriente não diminuiu. A Igreja Católica organizou as Cruzadas para tomar Jerusalém, local sagrado para os cristãos, dos muçulmanos, os quais dominavam a região desde o ano 638.
Em 1095, o papa Urbano II conclamou a cristandade a lutar contra os árabes na Terra Santa.  No seu discurso o papa exaltava:

"Lutem contra a amaldiçoada raça que avilta a terra sagrada, Jerusalém, fértil acima de todas as outras. [...] Marchem certos da expiação de seus pecados, na certeza da glória imortal."

O papa chama de "amaldiçoada" as pessoas não-cristãs que vivam e ocupavamm a terra santa. Ele também ressalta em seu discurso que aqueles cristãos que morrerem na luta por Jerusalém terão seus pecados perdoados e a "glória imortal". Numa época marcada por fervor religioso, a possibilidade de obter a redenção dos pecados e vida eterna era um forte argumento para mobilizar homens e justificar uma guerra.

Cristãos cercam a cidade de Acre, em Israel. Século XII.

As consequências das Cruzadas foram terríveis e as expedições militares promoveram um banho de sangue, opondo cristãos e muçulmanos. Leia o relato de um muçulmano, que observou a selvageria do confronto.


Os exilados ainda tremem cada vez que falam nisso, seu olhar se esfria como se eles ainda tivessem diante dos olhos aqueles guerreiros louros, protegidos de armaduras, que espelham pelas ruas o sabre cortante, desembainhado, degolando homens, mulheres e crianças, pilhando as casas, saqueando as mesquitas.

Amin Maalouf. As Cruzadas vistas pelos árabes.
2.ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1989 (com adaptações).
  

No trecho, fica claro que nem mulheres e crianças eram polpadas na guerra, assim como os locais sagrados, os quais eram saqueados em nome do fanatismo religioso. Importante destacar que os massacres e a covardia ocorriam dos dois lados, tanto dos cristãos quanto dos muçulmanos. Observe o relato a seguir, o qual registra a violência perpetrada pelos árabes:  


Os cruzados avançavam em silêncio, encontrando por todas as partes ossadas humanas, trapos e bandeiras.
No meio desse quadro sinistro, não puderam ver, sem estremecer de dor, o acampamento onde Gauthier havia deixado as mulheres e crianças. Lá, os cristãos tinham sido surpreendidos pelos muçulmanos, mesmo no momento em que os sacerdotes celebravam o sacrifício da Missa. As mulheres, as crianças, os velhos, todos os que a fraqueza ou a doença conservava sob as tendas,  perseguidos até os altares, tinham sido levados para a escravidão ou imolados por um inimigo cruel. A multidão dos cristãos, massacrada naquele lugar, tinha ficado sem sepultura.

J. F. Michaud. História das cruzadas. São Paulo:

Editora das Américas, 1956 (com adaptações).



Na Idade Moderna, com o advento das Grandes navegações, os europeus tinham por objetivo descobrir uma nova rota marítima até o Oriente, para chegar à fonte das preciosas especiarias orientais. O período assistiu à continuidade dos conflitos entre cristãos e muçulmanos, no norte da África e na Ásia. 

Mesmo na Idade Contemporânea a cobiça europeia sobre o Oriente não cessou. 
O Oriente Médio, possui uma posição geográfica estratégica, pois conecta a Europa à Rússia, à China e aos demais países asiáticos, é uma região rica em petróleo, mineral descoberto na primeira década do século XX, o que por si já é um grande atrativo para as potências imperialistas. 

Por isso, os países europeus, principalmente a França e  a Inglaterra, mantiveram o Oriente Médio sob seu protetorado por muito tempo. Alguns países só conseguiram se libertar do domínio europeu em meados do século XX, caso do Líbano e da Jordânia, em 1946. 

Apesar das lutas por independência, a região continuou sendo disputada, e, na segunda metade do século XX, era alvo da Guerra Fria entre as duas superpotências - EUA e URSS. Nesse momento histórico, soviéticos e norte-americanos armaram os povos do Oriente Médio a seu bel-prazer, segundo os interesses geopolíticos das duas potências mundiais sob o território.


Guerra Fria polarizou a disputa pela hegemonia mundial entre EUA e URSS.

Assim, foi comum o envio de armas para grupos étnicos lutarem contra os governos locais, dando início às guerras civis para tomar o poder e instaurar uma nova ordem mais favorável aos EUA ou à URSS. Isso acentuou a tensão regional, disseminou o ódio entre grupos étnicos distintos, caso dos sunitas e xiitas, o que alterou o equilíbrio de forças, agravando a instabilidade regional.
Foi a conivência e o apoio das duas superpotências da Guerra Fria que favoreceu o surgimento das células terroristas, as quais equipadas e treinadas por agentes norte-americanos ou russos, acabavam se voltando contra seus patrocinadores e passavam a agir de acordo com seus próprios propósitos.

Com o esfacelamento da União Soviética em 1991, os norte-americanos sedimentaram sua posição política no Oriente Médio através de alianças firmadas com Israel e Arábia Saudita, por exemplo.
Contudo, as guerras prosseguiram. Os norte-americanos invadiram o Iraque duas vezes, a primeira em 1991, a última em 2003.  


Soldados norte-americanos invadem o Iraque (2003).

No século XXI, os EUA alegando cumprir o seu papel de liderança mundial, pretensamente agindo em nome da liberdade e da democracia, assim justificou a invasão do território iraquiano:

"Meus companheiros cidadãos, os perigos sobre nosso país e o mundo serão superados. Nós transpassaremos esse momento de risco e continuaremos com o trabalho pela paz. Nós defenderemos nossa liberdade. Nós traremos liberdade para os outros. E nós venceremos.
Que Deus abençoe nosso país e todos que o defendem."
 

(Discurso do presidente Goerge W. Bush, 2003).

A liberdade a qual o presidente norte-americano se referiu parece ser um conceito distante para os povos do Oriente Médio, especificamente os do Iraque,  cujo governo foi destituído pelas tropas dos EUA na última Guerra do Golfo. Agora, o Iraque é assolado por conflitos envolvendo grupos separatistas, os povos curdos e os ataques do Estado Islâmico. Em suma, a cada intervenção política e militar das potências Ocidentais no Oriente Médio, novos confrontos são fomentados, aumentando a violência e a intolerância no local e também no Mundo. As ações militares equivocadas do Ocidente no Oriente Médio geraram consequências, como os ataques promovidos pelo grupo Al Qaeda contra os EUA, em 11/09/2001 e os atentados do Estado Islâmico contra a França, em 13/11/2015. 


Os EUA foram atacados pela Al-Qaeda em 11/09/2001.

Enquanto predominar no Ocidente a incompreensão das complexidades culturais dos povos orientais e a manutenção de estratégias desastrosas, como a tentativa dos EUA de   impor sua hegemonia sob o local a qualquer custo, novos conflitos continuarão a ocorrer no Oriente Médio e também nos países que tentam submetê-lo ao seu domínio. Portanto, toda essa história possibilita enxergar os erros cometidos no passado e traz uma oportunidade para refletir e corrigir os rumos do presente. Assim, talvez seja possível construir um futuro sem tantas atrocidades, sem derramamento de sangue em nome da fé e da ganância cega que continua provocando tanta carnificina.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário.