15.2.22
Entrevista exclusiva: pesquisadora aborda memórias literárias na formação docente
AC - Ana Paula, você defendeu ano passado sua dissertação de Mestrado em
Educação e tratou sobre memórias literárias na formação docente. Conte-nos o
que motivou sua pesquisa e qual foi o seu objeto de estudo.
AP - A proposta que apresentamos no mestrado foi uma investigação-formação mediada por narrativas, onde propusemos analisar alguns aspectos do processo de desenvolvimento profissional de um grupo de professores de Iporá-GO que atua na Educação Básica, em relação ao trabalho de mediação literária com os livros de Monteiro Lobato, levando em consideração os embates surgidos nos últimos anos sobre os estereótipos raciais presentes nas obras do referido autor. Procuramos na pesquisa ampliar o olhar para vários aspectos das obras e refletir sobre temas complexos apresentados nos livros de Lobato. Nossa proposta foi abrir espaço para discussões sobre o trabalho de mediação com obras clássicas de reconhecido valor literário e que apresentam temas polêmicos. E por que essa escolha? Acreditamos que não levar essas discussões para o ambiente educacional significa apagar muitas lutas e consequentemente deixamos de modificar valores que estão postos como preconceito e intolerância e que se arrastam por décadas. Essas discussões não são fáceis, mas se fazem necessárias.
AC - Qual foi a importância da obra de Monteiro Lobato para sua formação social e profissional?
AP - As histórias de Lobato
sempre me marcaram muito, gosto de livros que trazem o cuidado com a linguagem,
essa que nos sensibiliza com o inusitado, com a poética ou com a simplicidade
dita de forma espontânea. Minhas primeiras leituras foram regadas ao sabor das
aventuras do Sítio, fui conduzida pelos caminhos literários e apresentada à
boneca falante, feita de retalhos, e ao aconchego da tia Nastácia e de tantos
outros personagens. Este mundo encantado foi responsável por me tornar a
leitora sensível que sou hoje. Essas e tantas outras histórias clássicas
despertaram em mim o gosto pelos livros. Como professora da área de Letras
sempre procuro interligar literatura (como expressão artística) e educação, por
isso frequentemente me questiono sobre as relações possíveis nesses campos.
Como mediadora literária procuro sempre trabalhar com os clássicos, pois
concordo com Ana Maria Machado quando diz que “clássico não é livro antigo e
fora de moda. É livro eterno que não sai de moda”. Os livros de Lobato são
inesquecíveis e apresentam um grande valor literário, nesse ano de 2021 algumas
histórias completaram 100 anos, só obras e personagens geniais podem permanecer
no imaginário das pessoas por tantos anos. O autor tem grande capacidade
comunicativa, traz uma familiaridade no diálogo e uma riqueza metafórica que
atrai o leitor, sem contar que em suas histórias encontramos muitas questões
sociais, filosóficas, éticas que nos arrancam do lugar de passividade e nos
instiga a sermos mediadores mais conscientes. No estudo durante o mestrado
percebi que muitas pessoas desconhecem os fatos históricos do período que
Lobato viveu e com isso não conseguem entender todas as discussões apresentadas
pelo autor em suas obras, uma das discussões cheias de controvérsias está
ligada à forma como o autor escreve sobre as relações raciais. Para entender
essas questões é necessário um mergulho no contexto sociocultural do final do
século XIX e das primeiras décadas do século XX, onde encontramos escravidão,
teorias sobre superioridade racial, dentre outras situações que marcaram a vida
e consequentemente os reflexos estão presentes nas obras literárias.
AC - Como você avalia o ensino de Literatura na educação básica? Acredita que a literatura, em especial a obra de Monteiro Lobato, pode contribuir para a melhor formação dos educandos?
AP - O trabalho com literatura é
de suma importância por possibilitar compreensão de valores, dar oportunidade
aos leitores entrarem em contato com diferentes culturas, crenças, favorecer
aprendizagens, despertar o lado criativo, mas não é uma atividade fácil, exige
um fazer sensível para que o aluno possa receber o texto como uma narrativa
prazerosa, artística e conseguir perceber os vários sentidos que podem ser
atribuídos a um texto. Sabemos que o trabalho literário com os leitores
iniciantes precisa estar adequado com seus interesses e gostos e por isso exige
preparo, boas escolhas do professor. Tenho percebido a necessidade de termos
mais momentos de formação dentro do ambiente de trabalho, com oportunidade de
reflexões, trocas de conhecimentos favorecendo com isso o desenvolvimento
profissional de toda a equipe. Em relação às obras de Lobato, infelizmente
percebo que estas estão sendo pouco trabalhadas na educação básica, às vezes
por insegurança dos professores devido às polêmicas do suposto racismo ou pelo
fato de muitos docentes acreditarem que estão ultrapassadas. É necessário trazer
as polêmicas para a sala de aula para que suscitem reflexões, consciência
social, por parte dos alunos. Apresentar textos literários que estimulem a
leitura critico-reflexiva faz parte de nosso papel como educadores, os frutos
desse trabalho podem ser muito positivos dependendo da condução do mediador sem
contar que as obras têm um grande potencial literário, colaborando para formar
leitores literários. Em relação à ideia errônea de que as obras envelheceram é
um grande equívoco, elas são muito atuais, carregam em sua essência
possibilidade de enriquecer a alma, produzir sonhos e fantasias.
AC
- Em sua percepção, o que falta para as escolas e para os educadores explorar
melhor o mundo literário no ensino básico?