13.10.17

Diário de Ywesky Borislav - Parte IV: Assim se faz política por aqui

Página IV

Legislatores

Em 1941, resolvi assistir à uma reunião na câmara dos vereadores do município do interior do Rio, na pacata e refrescante região Serrana. Na ocasião, os nobres edis debatiam como deveria se chamar uma ponte recém-construída e que precisava de um nome para a solenidade de inauguração.

A ponte era importante, ligava a cidade ao estado de Minas Gerais e seria uma via essencial para o escoamento de mercadorias e trocas comerciais entre as duas unidades da federação. 

O debate perdurou por horas, um grupo de vereadores defendia que a ponte recebesse o nome do falecido pai do atual chefe do executivo, o qual, no passado, também havia exercido o cargo. Do outro lado, advogava-se em prol do avô do candidato preterido pelo governo estadual quando ocorrera a nomeação para o cargo de prefeito.

Já era tarde da noite quando houve um acordo pela aprovação unânime em favor do finado e genitor do atual prefeito. Um dos argumentos que o grupo da posição utilizou foi o fato de que o outro nome sugerido pelos vereadores ainda vivia, por isso não seria homenageado agora. Mais tarde, soube por um dos cidadãos que assistia àquela cena que o prefeito enviara um recado ao presidente da casa e pressionara os legisladores a darem à ponte o nome de seu pai, senão ele dificultaria certos serviços indicados pelos vereadores, como limpeza das ruas, poda das árvores, manutenção da iluminação à gás em certos bairros, cessão de homens e ferramentas para reparos nas cercanias etc. Pronto, bastou o tom mais firme que os vereadores aprovaram o indicativo rapidamente, mesmo depois de exaustivo, controverso, duradouro e inócuo debate.

Legislar, ninguém legisla, tampouco se preocupam com os problemas fundamentais da população. Todos estavam centrados apenas na questão do nome da ponte e na perpetuação da memória daquelas poucas famílias ligadas ao poder. Ninguém ali se preocupou com o aumento da sujeira e da imundície no leito do rio devido à ocupação desordenada de suas margens, por centenas de famílias que não tinham onde viver. Como não havia água encanada, esgotamento e nem coleta de lixo para essa gente, toda sorte de lixo eram despejada no rio, o que causava redução do número de peixes, assoreamento, escassez da água e surto de doenças. O que aquela gente poderia fazer se não havia nenhuma política municipal ou estadual de moradia para atender aos pobres. 

Um vereador até suscitou uma questão relevante sobre a necessidade de despoluir o rio, recolher o lixo que flutuava por aquelas águas a fim de melhorar o mau cheiro que ele exalava, mas foi logo interrompido por um de seus pares o qual alegou que da limpeza do local cuidariam os diligentes urubus. Portanto, não haveria necessidade alguma de gastar os recursos do erário com uma atividade dispendiosa e que não traria benefício algum.

Fiquei estarrecido com o consentimento dos demais vereadores com esse último aparte que pôs fim à questão da higiene nas imediações do rio. Me perguntei se aqueles vereadores tinham real conhecimento das condições de vida daquelas famílias ribeirinhas, se eles sabiam que o virgula morbus enfileirava cadáveres, sobretudo de crianças, que habitavam aquele lugar decrépito e se tinham noção de que a falta de higiene e de saneamento estava a ceifar vidas preciosas... 

Enfim, acabei me indignando e resolvi me retirar do recinto antes do término da sessão. Conclui que política local é uma grande baboseira, pois as pessoas ocupam os cargos públicos visando exclusivamente o benefício próprio, sem se preocupar com a coletividade e com algo tão importante que é a assistência aos desvalidos e desafortunados, cuja saúde e o bem-estar, lamentavelmente, não são objeto de preocupação dos homens que estão no poder. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário.