5.10.17

Diário de Ywesky Borislav - III

Parte III - Política e Poder

Desde tempos imemoriais que os grupos humanos se organizaram em sociedades, mais ou menos civilizadas, e, através de um pacto social, deram origem ao Estado cuja função essencial é governar os homens, coibindo os excessos, a violência e assegurando-lhes a liberdade e a propriedade.

A partir de então, homens e grupos organizados, como os partidos políticos, por exemplo, têm buscado incessantemente chegar ao poder e por vários motivos: Alguns almejam fortalecer a missão natural do Estado, criando leis que fixam direitos e deveres para todos os cidadãos; Outros, porém, por motivos menos nobres, desejam exercer os cargos de comando por mera vaidade, por despotismo ou para servir aos interesses do grande capital e do corporativismo, mesmo que isso custe sacrificar o próprio povo com a retirada de direitos elementares, como a liberdade de expressão, os direitos políticos e civis. 

A meu ver a primeira motivação seria a ideal para o país, pois ela visa o bem-estar coletivo e garantias fundamentais para a cidadania, o que asseguraria alguma coesão e estabilidade social. A última razão que move os homens aos cargos eletivos, no entanto, é perversa, cruel e tirânica, pois a coisa pública é colocada à serviço de interesses privados e escusos.   

Na capital da república ou aqui no interior, o jogo político é bem semelhante e, embora o volume e a intensidade sejam diferentes entre as regiões, o fazer político no Brasil, de modo geral, é algo vil e torpe. Aqui o poder é exercido não para promover o bem comum, mas para fortalecer pequenos grupos que se apossaram do Estado nacional. O projeto de nação desses que assaltaram o poder é dividir, fragmentar e acalçar a população com o aumento dos impostos, congelamento de salários, manutenção do trabalho servil e degradante, sem oferecer à classe pobre e produtora de riquezas quaisquer condições básicas para uma existência digna. Conclui que é devido à manutenção do projeto de segregação que a classe dirigente nunca investiu em educação neste país, transformando o povo numa massa amorfa, ignorante que se deixa manipular docilmente.

Ouvi, certa vez, de um antigo operário que morou na capital em 1919, um relato de seu encontro com Rui Barbosa em plena campanha presidencial. O operário assistiu à famosa  conferência no Teatro Lírico. Os trabalhadores que foram ouvir o "Águia de Haia" estavam entusiasmados, pois o candidato prometera tratar a questão social no Brasil com o devido cuidado, proibindo o trabalho de crianças nas fábricas, reduzindo as horas da jornada diária e construindo habitações decentes para os trabalhadores. O velho me disse disse que as pessoas gritavam: 

_ Agora questão social não será mais caso de polícia no Brasil. Um viva para Rui, nosso presidente!

Infelizmente, Rui Barbosa perdeu a eleição e o seu eleitorado as esperanças de um futuro diferente. Entretanto, o célebre jurista brasileiro falou naquela oportunidade, dentre tantas coisas importantes, algo que marcou o senhor com quem conversava. Segundo ele, Rui disse que havia duas maneiras de por fim num mau governo: uma seria pelo voto e a outra maneira pela revolução. No Brasil, pelo voto, sempre vence o mau governo. Logo, pensei: 

_ Será que algum dia esse povo será capaz de sublevar-se contra os seus opressores, como fizeram os russos?! 

Enfim, prosseguindo, acho que foi o autor de Dom Quixote que afirmou: "Ah, memória, inimiga mortal do meu repouso!" Estou cá deitado numa rede, numa velha hospedaria, à luz fraca de uma vela e não posso dormir sem antes registrar uma lembrança que me ocorrera agora das aulas de filosofia no mosteiro.

Certa vez o professor, um clérigo que lecionava na escola religiosa, falava que a fome era um mal que corrompia o país e lembrou o exemplo de Jesus Cristo que a combatia, multiplicava o pão e os peixes e os repartia para os pobres. Então, um dos colegas de turma, questionou:

_ Professor, pela atitude de Cristo podemos afirmar que ele era socialista?

O professor franziu o semblante e seus olhos ficaram nublados de ira antes de repreender severamente o aluno:

_ Que heresia! Não ouse comparar as ações de Cristo com um aventureiro qualquer do século XIX, o qual era um lunático, obcecado por ideias sem fundamento, tampouco aplicáveis à realidade. Pela sua estupidez receberá doze palmadas, concluiu o mestre.

A sala emudeceu, o silêncio só era rompido quando a palmatória atingia o alvo, provocando ranger de dentes no colega de classe, que pagou caro por tentar comparar o cristianismo com uma doutrina revolucionária e anti-clerical, como o marxismo.   


Borislav (1918-1990).

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