27.4.16

O retorno do rei?

Já imaginou o Brasil sendo governado por um rei? Pois é, recentemente foi divulgado em várias sítios da internet notícias sobre um membro da realeza defendendo a restauração monárquica. Trata-se de Dom Bertrand de Orléans e Bragança, que é trineto do ex-imperador d. Pedro II. Ele foi fotografado, não faz muito tempo, em uma manifestação de rua a favor do impedimento da atual presidenta da república e na ocasião se posicionou favorável a monarquia, pois ela garante “unidade, estabilidade e continuidade”

D. Betrand participou de atos a favor do impeachment em São Paulo.

O príncipe nasceu na França, estudou no Brasil, recebeu uma educação tradicional e preparatória para que um dia pudesse ocupar o trono. Cursou a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (SP), fala três idiomas e fez inúmeras viagens à Europa para complementar sua formação. Ele é a favor de uma monarquia com ideais católicos, se opõe ao socialismo e acredita que “o Brasil está com saudade de um regime que faça à nação o que uma nação deve ser: uma grande família com destino comum a realizar”.
Num hipotético retorno da monarquia, dom Bertrand seria o segundo de sua linhagem para ocupar o trono brasileiro. O herdeiro da coroa é seu irmão mais velho, dom Luiz (77), que enfrenta problemas de saúde.

É bom lembrar que a monarquia no Brasil começou em 1822, após a oficialização do rompimento com Portugal. Dom Pedro I foi coroado ao final daquele ano e governou até 1831, quando abdicou do trono em favor de seu filho e partiu para Portugal para reivindicar a coroa desse país. 


Até 1840 o Brasil foi governado por regentes até que o príncipe atingisse a maioridade. D. Pedro II assumiu o trono em 1840 e permaneceu no cargo até 1889, quando foi deposto pelo exército, após perder sua principal base de apoio – as elites cafeicultoras insatisfeitas com o fim da escravidão. Então o imperador foi viver na Europa, junto com sua família, exilados do Brasil. Assim começou o período republicano em nosso país...

Apesar do fim da monarquia, os descendentes da antiga família imperial foram autorizados a retornar ao Brasil algumas décadas depois da mudança de regime político e se dividiram entre o Rio de Janeiro, São Paulo e Petrópolis[1]. Nessa última cidade foi construído um palácio[2] por conta do clima ameno e da natureza exuberante da região serrana, servindo de veraneio para a família real escapar do calor da capital. Até os dias de hoje o “espírito imperial” continua presente em Petrópolis, primeiro pelos inúmeros símbolos e edifícios que fazem referência à monarquia, segundo pela manutenção do laudêmio, um imposto que incide sobre negociações imobiliárias realizadas no centro de Petrópolis e que é revertido para os Bragança[3].   

Museu imperial - antiga casa onde a família real passava as férias de verão. Viajar no verão era uma tradição entre as monarquias europeias.

A discussão sobre a legitimidade do laudêmio foi aventada há dois anos, quando um vereador da cidade tentou encerrar a cobrança do imposto, alegando que ele repelia investimentos, pois encarecia os imóveis. Os descendentes da família imperial argumentam que a taxa é legal, pois os imóveis centrais estão construídos em áreas que pertencem à casa dos Bragança.

Para concluir, penso que o senhor Bertrand de Orléans e Bragança está tentando ressuscitar um defunto ao sugerir a volta da monarquia. A unidade a que se referiu o príncipe pode ser entendida como um processo histórico violento ocorrido no século XIX, o qual assegurou a integração das diferentes províncias sob a égide do Império, sufocando tendências separatistas e republicanas como a que ocorreu, para exemplificar, no Nordeste em 1824. A estabilidade do império, na segunda metade do século XIX, foi possível, em grande parte, devido ao trabalho escravo e a crescente produção e exportação do café, que trazia lucros e fortuna para os fazendeiros. E a continuidade ocorre pelo fato de que, na monarquia, o poder é hereditário, não sendo necessário uma eleição para escolher o chefe do Executivo[4], pois o trono passa de pai para filho.

Ademais, o povo brasileiro foi consultado a respeito desse assunto em 1993, num plebiscito[5], sobre qual forma de governo deveria ser implantada no país. A república venceu com 44,2 milhões de votos, a monarquia recebeu 6,8 milhões, o total de eleitores foi de 67 milhões.
Portanto, o povo disse não à monarquia e sim à república. É fato que desde a proclamação do governo republicano no Brasil a noção de cidadania foi ampliada e a representatividade popular nos espaços de poder avançou consideravelmente. Obviamente, estamos longe de ter um sistema político perfeito, mas uma república democrática com poderes independentes é melhor do que uma “versão atualizada” da monarquia Bragança, a qual preserva tradições ibéricas e medievais.

Dom Bertrand e os demais membros da família imperial desejam o retorno da monarquia possivelmente movidos por ideais de um passado romântico, quando a sua casa governou despoticamente o Brasil, sustentada por uma elite latifundiária e escravocrata que não admitia a participação popular no poder.
Não precisamos de uma mudança de regime político, agora temos é que ajustar a nossa república e colocar a Democracia nos caminhos do progresso, promover a distribuição de renda, assegurar mais igualdade e oportunidades para o povo e erradicar os corruptos da condução da coisa pública.
A ideia de restaurar um regime que já foi rejeitado pela maioria dos cidadãos brasileiros nos parece algo anacrônico e oportunista, que só pode ser concebido por uma família movida por sentimentos de nostalgia e ambição, que antes de pensar no bem comum, pretende retomar o protagonismo no cenário nacional, a glória e o poder.




[1] Petrópolis (seu nome vem da junção da palavra em latim Petrus (Pedro) com a em grego Pólis (cidade), ficando "Cidade de Pedro") foi fundada no período Imperial. D. Pedro II assinou um decreto em 1843 permitindo o arrendamento das terras chamadas Córrego Seco, que ele herdou de seu pai. Foram nelas que começaram as obras da "Povoação-Palácio de Petrópolis".
[2] O antigo palácio imperial foi construído entre 1945 a 1962. Hoje é o Museu imperial, que abriga vasto acervo de objetos e obras de arte da família Bragança. Ele foi transformado em Museu por decreto assinado pelo presidente Getúlio Vargas, em 1940, e foi inaugurado em 1943.
[3] O Laudêmio também é conhecido como “imposto do príncipe” e corresponde a 2,5% do valor de imóveis negociados nas áreas centrais de Petrópolis. Essas terras pertenciam à antiga fazenda do Córrego Seco, adquirida por d. Pedro I em 1830. Em 1843, d. Pedro II assinou um decreto que permitia a cobrança de taxas dos colonos que se instalassem na região. Isso justifica a manutenção do laudêmio até os dias atuais. Em 2013, o laudêmio rendeu cerca de R$ 4 milhões, os quais foram divididos entre dez membros da família imperial. Representantes do legislativo municipal tentaram acabar com a taxa, mas não tiveram sucesso. Em diversos municípios brasileiros o laudêmio é cobrado pela União ou pela Igreja Católica. O pagamento do imposto tem de ser feito à vista à Companhia Imobiliária de Petrópolis, entidade administrada pelos descendentes de Dom Pedro 2º. Caso contrário, o comprador – quem, na prática, acaba desembolsando o valor - não recebe a escritura.
Leia mais sobre o laudêmio de Petrópolis em nosso post: http://acropolemg.blogspot.com.br/2014/11/um-imposto-devido-ao-imperador.html 
[4] A causa defendida pelos adeptos do monarquismo é o estabelecimento de uma Monarquia Parlamentar, algo próximo ao regime britânico. O imperador seria, portanto, chefe de Estado (figura mais cerimonial) e a chefia do governo ficaria sob responsabilidade do primeiro-ministro, apontado pelo monarca e escolhido após eleições no Parlamento. Embora apresente roupagens modernas, a proposta dos Bragança é bastante conservadora. Dom Betrand, por exemplo, é monarquista-católico fervoroso, contrário aos partidos de "esquerda", de cunho socialista, e contra a reforma agrária, além de considerar as desigualdades sociais naturais e até harmônicas (http://www.monarquia.org.br/-/CausaMonarquica/ArtDbertrand-reformaagraria.html).
[5] No plebiscito de 1993 os eleitores também escolheram o sistema de representação, além do regime de governo. O resultado ficou assim: 37,1 milhões escolheram o presidencialismo, 16,5 milhões apoiaram o parlamentarismo e quase 10 milhões anularam o voto - e os votos em branco somaram 3,4 milhões. A abstenção no plebiscito atingiu 25,76% do eleitorado.

26.4.16

Prêmio Professor Inovador 2015

É com satisfação e alegria que informamos aos nossos alunos, amigos e visitantes que recebemos mais uma indicação numa premiação nacional por conta de nosso trabalho com as mídias do projeto Acrópole - História & Educação.


Trata-se do prêmio "Professor Inovador 2015", promovido pela Faculdade de Educação da UNICAMP.



Foram mais de 200 inscritos e ficamos entre os 60 finalistas que receberão certificados e a oportunidade de participar de um curso de extensão universitária intitulado "Educação Inovadora com Tecnologia".

Agradecemos o apoio de todos e partilhamos com vocês - alunos, amigos, familiares, visitantes e colaboradores - o mérito de mais essa conquista!

Um abraço,

20.4.16

Palavras Cruzadas [8º ano] Absolutismo e Mercantilismo

Caça Palavras sobre a Formação dos Estados nacionais europeus



Leia sobre o assunto nos links:


Jair Bolsonaro elogia 1964 e dispara contra a Democracia

No dia 17 de abril de 2016, data enfadonha que desferiu mais um golpe na cambaleante democracia brasileira, assistimos, na Câmara dos Deputados em Brasília, a um show de hipocrisia em nome de Deus e da Família.

Dentre tantos absurdos ocorridos nesse dia, destacamos o discurso do deputado federal, eleito pelo Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro (PSC). No momento de declarar o seu voto favorável ao impeachment, ele fez questão de deixar claro, novamente, sua posição favorável à Ditadura Militar e aos crimes perpetrados por esse regime.

"Nesse dia de glória para o povo brasileiro tem um nome que entrará para a história nessa data, pela forma como conduziu os trabalhos nessa casa. Parabéns, presidente Eduardo Cunha. Perderam em 1964. Perderam agora em 2016. Pela família e pela inocência das crianças em sala de aula que o PT nunca teve, contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra o Foro de São Paulo, pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, pelo Exército de Caxias, pelas nossas Forças Armadas, por um Brasil acima de tudo e por Deus acima de todos, o meu voto é sim."


Além de parabenizar o sr. Eduardo Cunha, que possui contas "secretas" na Suíça, recheadas com milhões de dólares oriundos de propina, exalta o ano de 1964, quando os militares depuseram, através de um Golpe de Estado, o presidente - João Goulart, e se apropriaram do poder por 20 anos. Exalta a "vitória" de 1964 e a de 2016, estabelecendo um paralelo entre o golpe, que os militares chamaram de revolução, e o processo de impeachment em curso, cujo objetivo foi e, é, afastar governantes eleitos com apoios em bases populares de seus mandatos no governo. 




Ainda em seu discurso, o deputado mencionou o coronel Brilhante Ustra (1932-2015), qualificando-o como o "pavor de Dilma", a qual foi presa pelo exército por sua associação com o movimento estudantil e com o comunismo no período dos governos militares. Ustra foi comandante do Destacamento de Operações Internas (DOI-Codi) de São Paulo.


Coronel Alberto Brilhante Ustra na Comissão Nacional da Verdade em 2013.

Em 2008, o coronel Ustra foi acusado pelo Ministério Público de ter cometido diversos crimes durante a ditadura, como sequestro, assassinato e torturas.


Dilma Roussef presta depoimento no exército (1970).

Uma das vítimas desse carrasco foi o vereador paulista, Gilberto Natalini, que lembrou esse terrível momento, quando foi preso em 1972:



"Tiraram a minha roupa e me obrigaram a subir em duas latas. Conectaram fios ao meu corpo e me jogaram água com sal. Enquanto me dava choques, Ustra me batia com um cipó e gritava me pedindo informações"

Quem também sofreu nas mãos de Ustra, foi Amelinha Teles, que atualmente integra a Comissão de familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos e é assessora da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva. Em seu depoimento ela registrou: 


“Eu fui espancada por ele [coronel Ustra] ainda no pátio do DOI-Codi. Ele me deu um safanão com as costas da mão, me jogando no chão, e gritando 'sua terrorista'. E gritou de uma forma a chamar todos os demais agentes, também torturadores, a me agarrarem e me arrastarem para uma sala de tortura”.

Enfim, foi esse o "papelão" feito pelo deputado federal ao defender uma vez mais o ódio, a intolerância e o cabal desrespeito aos direitos humanos 
e às vítimas da Ditadura, as quais foram torturadas e  mortas pela repressão e truculência do regime militar.  No curto espaço de tempo usado para declarar o sue voto, o deputado vociferou  elementos que apenas reforçam o caráter autoritário e ofensivo de suas ideias políticas e sociais.

Devemos nos lembrar que Jair Bolsonaro representa um grupo de eleitores que o mantém no poder e, portanto, aprovam seus posicionamentos políticos e pactuam com ele. Nas redes sociais o político faz o maior sucesso entre milhares de internautas, que compartilham imagens dele com a expressão "Bolsomito" ou "Bolsonaro Presidente".



Atacar homossexuais e comunistas faz parte dos bons costumes?

São pessoas que não estudaram a História, que não compreendem os processos políticos e sociais brasileiros, ou apenas ignoram os crimes cometidos pelo regime militar, desconsiderando todo o horror e o sofrimento causado aos brasileiros.

O Estado e a justiça brasileira também tem culpa nisso, afinal nunca puniram exemplarmente os militares pelas violações cometidas no passado. Isso contribui para que a chama da impunidade continue acesa e impulsione o surgimento de mais pessoas como Bolsonaro, levantando bandeiras em nome da intolerância e da violência política.


Esse deputado deveria ser repreendido com todo o rigor da Lei por defender a ditadura no parlamento brasileiro, que deve ser a casa do povo e da democracia. Acreditamos que a maioria da população repudia um governo militar. Dessa forma, não aceitará que a tirania suplante novamente o Estado democrático de Direito, pois sabe que a liberdade foi conquistada a partir de muitas lutas e derramamento de sangue.

17.4.16

A formação dos estados nacionais europeus em imagens

A intenção deste post é apresentar aos nossos alunos as figuras de monarcas europeus, os quais iniciaram os processos de centralização política e formação dos Estados nacionais europeus. Em torno desses reis foram construídas alianças políticas, por meio de casamentos infrafamiliares e troca de favores e benefícios entre a realeza e os nobres, o clero e os burgueses de seus reinos.

Sobre a participação do povo, formado em sua maioria por camponeses, na política não há muita documentação existente, porém sabemos que ele nem sempre se aquietava e protestava contra as desigualdades sociais. Um exemplo da insatisfação popular foi a violenta revolta camponesa do século XIV, a jacquerie, que ocorreu na França. 

A violência da revolta camponesa.

A rebelião foi massacrada, pois era necessário manter a paz, a ordem e o povo sob controle. 

Na Idade Média, predominava a descentralização do poder, distribuído entre vários feudos e seus senhores, os quais impunham suas regras para aqueles que estavam sob seu domínio. Ao final desse período, houve aumento da urbanização, do crescimento populacional e a ascensão econômica da burguesia (comerciantes e artesãos), mudanças que irão transformar o mundo medieval, inclusive o poder dos nobres e da Igreja. 

Segundo José Murilo de Carvalho (2010), "o processo exigiu a concentração do poder nas mãos dos monarcas em detrimento da Igreja e da nobreza. O imperium impôs-se lentamente ao sacerdotium, o absolutismo à dispersão do poder nas mãos dos barões feudais. Particularizando, a transformação envolveu sobretudo o progressivo controle pelos monarcas da aplicação da justiça, tirando-as das mãos da Igreja e dos senhores feudais; ampliação do poder de taxação e a monopolização do recrutamento militar". (p. 27) 

A partir dessas transformações os processos de centralização política se fortaleceram e originaram os reinos europeus - Portugal, Espanha, Inglaterra e França. Assim, o poder decisório foi transferido para o Rei, embora os senhores feudais continuassem tendo grande influência na política.

Outras características políticas, econômicas e sociais resultaram da centralização monárquica e da formação dos Estados nacionais em torno do rei. Elas acompanharam a centralização política do século XI e seguirão até o século XV, quando alguns estados assumirão um caráter absolutista. As mudanças que foram implementadas nas novas nações, em maior ou menor grau de intensidade, foram:

  • Centralização do poder nas mãos do rei;
  • Estabelecimento de fronteiras territoriais;
  • Padronização dos pesos e medidas e criação de moedas nacionais;
  • Formação de burocracias a serviço do Estado;
  • Criação de exércitos permanentes;
  • Adoção de um idioma comum;
  • Subordinação da Igreja ao rei.

As imagens a seguir foram construídas com a finalidade de reforçar a identidade do reino e o papel de liderança do monarca em momentos de crise, como, por exemplo, os períodos de guerras.
Observem com atenção as imagens e procurem identificar nelas aspectos semelhantes e diferentes. Lembrem-se que a centralização desses Estados possibilitará o fortalecimento da monarquia e depois o surgimento do Absolutismo.


D. Afonso Henriques foi o primeiro monarca português. Proclamou a independência do Condado Portucalense em 1139 após enfrentar mouros e os reinos vizinhos que hoje, pertencem à Espanha.




O casamento dos príncipes Fernando de Aragão e Isabel de Castela, em 1469, resultou na unificação do território espanhol dez anos depois. O processo de unificação da Espanha foi concluído no final do século XV, após a expulsão dos muçulmanos da Península.





Henrique II governou a Inglaterra entre 1154 a 1189 e iniciou a centralização política e o fortalecimento do exército. Em 1215, os nobres impuseram ao rei que jurasse a Carta Magna e consultasse o Parlamento, marca peculiar da monarquia inglesa, antes de aumentar os impostos.



A centralização do poder na França ocorreu, em grande medida, devido a Guerra dos Cem anos (1337-1453) travada contra a Inglaterra. O processo de unificação foi liderado por Carlos VII.

15.4.16

Quem sustentou o Império brasileiro?

Antecedentes do rompimento político de Brasil e Portugal (1808 - 1822)

A transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1808 precipitou a independência da antiga colônia em relação a sua metrópole - Portugal.




Após a instalação da família real portuguesa no Brasil seguiram-se atos oficiais que seriam irreversíveis, tais como a Abertura dos Portos, oficializando o fim do exclusivismo comercial, e a elevação do Brasil a Reino Unido, rompendo sua condição de colônia.

Some-se a isso os acontecimentos externos ocorridos em Portugal, em 1820, decorrentes da Revolução Liberal do Porto, que pretendiam "regenerar" a nação portuguesa, exigindo o retorno imediato da família real para Lisboa e, posteriormente, tentou reverter os privilégios adquiridos pelo Brasil. 

Apesar da relutância, d. João VI retornou ao reino em 1821, mas deixou d. Pedro, seu filho e príncipe herdeiro, no Brasil com amplos poderes para governar (BERBEL, 2010 p. 41).

A independência e a opção pelo regime monárquico

As exigências das Cortes de Lisboa serviram para unir as elites brasileiras, principalmente o grupo do centro-sul que não queria perder os privilégios obtidos desde a vinda da família real para o Brasil, em 1808. Embora ainda não se falasse em separação de Portugal, os brasileiros das províncias do sul começaram a se articular em torno do príncipe herdeiro. Foi essa articulação de interesses que resultou no rompimento e na independência do Brasil no 7 de setembro de 1822, embora a condição de colônia já tinha sido abandonada muito tempo antes.




No Norte e na Cisplatina, as províncias eram favoráveis às Cortes de Lisboa e só reconheceram a autoridade de d. Pedro após as guerras de independência. 

A consumação da independência reforçou a necessidade de escolha, rapidamente, de um "novo" regime de governo para o Brasil.

Era preciso ter estabilidade, conter revoltas, impedir radicalismos políticos, dissolver dissidências, preservar a unidade territorial e conservar a estrutura social e econômica vigente - o latifúndio e o escravismo.

Pesava sobre as elites nacionais que rodeavam d. Pedro os processos políticos e emancipatórios ocorridos nos países vizinhos, antigas colônias espanholas que se tornaram nações independentes, que optaram pelo regime republicano, acusado de ser o causador de anarquia e da fragmentação territorial.

Essas ideias eram correntes no Brasil, um exemplo disso foi a Revolução Pernambucana de 1817, que também teve uma matiz republicana, divulgando ideias de liberdade e igualdade. A elite local, insatisfeita com o favorecimento da região sul em detrimento do Norte da antiga colônia chegou a instaurar um Governo Provisório englobando várias províncias do Nordeste, livre de Portugal. O movimento foi reprimido violentamente pelo governo português, com a aplicação da pena de morte a alguns dos principais líderes da insurreição.

Porém, a vinda família real portuguesa para o Brasil promoveu a interiorização da metrópole, criou fortes vínculos entre as elites coloniais, principalmente do centro-sul, com o regime monárquico, por meio da distribuição de títulos de nobreza e nomeações para cargos na administração. Além disso, após o retorno de d. João para o reino, um membro da realeza permaneceu no Brasil, o que reforçou  a escolha do regime monárquico após a separação. Por isso, no momento da ruptura entre Brasil e Portugal a preferência dos condutores do processo foi a via monárquica como a forma de governo ideal para apartar os males do republicanismo e das convulsões sociais.

Havia, basicamente, dois grupos antagônicos, os quais divergiam sobre o tipo do regime: monarquistas absolutistas x monarquistas constitucionais. Venceu o segundo grupo, capitaneado por José Bonifácio de Andrada e Silva.
Desse modo, d. Pedro I foi coroado em dezembro de 1822, outorgou a Constituição de 1824, que reforçou a posição do monarca, bem como seu caráter despótico.




A missão do monarca e o estabelecimento do Império

Para as elites, especialmente os senhores de escravos, a monarquia e a coroação de d. Pedro I em dezembro de 1822, seriam a salvação nacional, evitando a divisão territorial e afastando ideais republicanas, a exemplo do que ocorrera com as antigas colônias hispânicas na América. Mais importante ainda, a monarquia garantiria a continuidade da escravidão, assegurando a paz social, garantindo o sono dos senhores de escravos, os quais estavam preocupados com a revolução que assolou a Ilha de São Domingos (Haiti) em 1791, quando os cativos se rebelaram contra seus algozes, o que lhes possibilitou, no início do século XIX, proclamar a independência da ilha em relação à França, sua ex-metrópole, e abolir a escravidão.
Isso ficou conhecido como haitinianismo, uma ideia que exerceu grande impacto sobre as elites inseguras e temerosas de que algo semelhante acontecesse no Brasil. A preocupação tinha fundamento, afinal, havia 6 escravos para cada senhor. E se estes escravos resolvessem se rebelar, quem iria contê-los?


A rebelião de escravos no Haiti tirou o sono da elite escravocrata brasileira.

Essa missão cabia ao novo Império brasileiro, que não mediu esforços para garantir a continuidade do escravismo e, assim, promover a prosperidade nacional, sustentada em grande parte, pelo trabalho escravo. A figura de d. Pedro assumiu a centralidade para garantir a ordem ameaçada pelo medo do haitianismo.

A Inglaterra, principal parceira econômica do império brasileiro no século XIX, exerceu uma crescente pressão sobre o governo e as elites brasileiras para acabarem com o tráfico e abolir a escravidão. Os interesses ingleses, antes de serem humanitários, visavam uma expansão comercial com o Brasil que só seria possível com a libertação dos milhões de escravos e da implantação do trabalho assalariado para os ex-cativos.

Um observador britânico no Brasil registrou o seguinte a respeito do tráfico de  escravos: "Não há dez pessoas em todo o Império que considerem o tráfico um crime, ou que enxerguem sob qualquer outro ponto de vista a não ser aquele do lucro ou do prejuízo, uma mera especulação mercantil que deve ter prosseguimento enquanto for vantajosa". ( Henry Chamberlain apud MAXWELL, 2000, p. 11). Por maior que fosse a pressão inglesa pelo fim do tráfico e da escravidão, não havia interesse brasileiro em encerrar tais atividades que moviam toda sua economia.

José Bonifácio de Andrada e Silva, o patriarca da independência, em correspondência enviada ao ministro britânico no Brasil, Henry Chamberlain, em abril de 1823, enunciou a impossibilidade do Império brasileiro em acatar a solicitação inglesa: 


Estamos totalmente convencidos da inadequação do tráfico de escravos [...] mas devo frisar candidamente que a abolição não pode ser imediata, e eu explicarei as duas principais considerações que nos levam a essa determinação. Uma é de ordem econômica, a outra de ordem política. A primeira baseia-se na absoluta necessidade de tomarmos medidas para garantir um aumento da população branca antes da abolição, para que as lavouras do país possam continuar produzindo, caso contrário, com o fim do suprimento de negros, a lavoura diminuirá, causando grandes transtornos [...] esperamos adotar medidas para atrair imigrantes europeus para cá sem perda de tempo. Assim que estes começarem a produzir esse efeito, a necessidade do fornecimento de braços africanos diminuirá gradativamente, e eu espero que em alguns poucos anos se coloque um ponto final no tráfico para sempre [...]. A segunda consideração diz respeito à conveniência política, na medida em que afeta a popularidade e, talvez até, a estabilidade do governo. Poderíamos enfrentar a crise e a oposição daqueles que se dedicam ao tráfico, mas não podemos, sem um grau de risco que nenhum homem em sã consciência possa pensar em correr, tentar no momento presente propor uma medida que iria indispor a totalidade da população do interior [...] A quase totalidade de nossa agricultura é feita por negros e escravos. Os brancos, infelizmente, pouco trabalho fazem, e se os proprietários rurais tivessem seu suprimento de trabalhadores repentinamente cortado, deixo que vossa mercê faça julgamento do efeito que isso teria sobre essa classe de gente desinformada e pouco ilustrada.


José Bonifácio explica que o governo não podia, de imediato, pôr fim à escravidão. Se isso ocorresse abalaria a estabilidade do Império, traria prejuízos econômicos para os latifundiários e poderia mergulhar o país num grande conflito social. Em suma, o fim da escravidão deveria ser lento e executado de forma gradual, a fim de evitar danos às estruturas de poder e à ordem social e econômica.

A campanha inglesa arregimentou apoiadores no Brasil, os quais se alistaram nas falanges do abolicionismo, movimento político que foi marcante, nitidamente, no Segundo Reinado (1840-1889).
Mas o governo brasileiro permaneceu diligente, agindo em prol dos grandes proprietários de terras e senhores de escravos, sua principal fonte de apoio político, usando da diplomacia para ludibriar as cobranças britânicas e a força policial para garantir a lei e a ordem interna. Nesse sentido, o processo que resultou no fim da escravidão foi lento, de modo que não provocou nenhuma ebulição social e racial no país, nem grandes transformações sociais e econômicas. Vamos recordar os inúmeros instrumentos e recursos legais o Império utilizou ao longo do processo que antecedeu a libertação dos cativos:


  • 1827: Brasil assina acordo com a Inglaterra se comprometendo a acabar com o tráfico de escravos, em troca do reconhecimento de sua independência;
  • 1845: Bill Aberdeen - permitia aos ingleses inspecionar navios brasileiros;
  • 1850: Lei Eusébio de Queirós - proibiu o tráfico de escravos;
  • 1871: Lei do Ventre Livre - filhos de escravas seriam livres;
  • 1885: Lei dos Sexagenários - libertava cativos com mais de 60 anos;
  • 1888: Lei Áurea: aboliu a escravidão no Brasil. 

Dessa forma, a escravidão persistiu em todo o período imperial, a despeito das pressões inglesas e das restrições impostas ao tráfico de escravos. O trabalho compulsório persistirá até o fim do século XIX, atendendo aos interesses, principalmente dos grandes proprietários rurais, os quais se mantinham fiéis à figura do Imperador. 



Ocorreu que, ao final do século XIX, quando a escravidão se tornou insustentável, foi oficialmente abolida em 1888, fato que desagradou muitos apoiadores do regime monárquico, os quais perderam a força de trabalho que originava a maior parte de sua opulência e de sua riqueza.

Como resultado, o Império ficou ainda mais desgastado, principalmente com sua principal base de apoio. As elites latifundiárias e escravistas, sobretudo, os cafeicultores, a partir de então, começaram a retirar seu apoio do monarca e a abraçar com mais fervor o republicanismo, já bastante difundido pela imprensa no território nacional. 

Assim, o imperador e o escravismo caíram juntos, substituídos, respectivamente, pelo governo republicano e pelo trabalho livre, privilegiando os imigrantes europeus. O historiador Kennett Maxwell afirmou, em tom lapidar, que "não é de surpreender que quando a escravidão ruiu, a monarquia ruiu junto com ela". Nesse sentido, monarquia e escravidão caminharam lado a lado, a existência da primeira dependia e se justificava, pelo menos em certa medida, na preservação do funcionamento da segunda. Logo, quando caiu a escravidão, o Império também chegou ao fim. Sem escravos, monarquia para que?

Bibliografia consultada

MAXWELL, Kenneth. Por que o Brasil foi diferente? O contexto da independência. In: MOTA, Carlos Guilherme (org). Viagem incompleta - a experiência brasileira. São Paulo: Editora Senac, 2000.

NEVES, Lúcia M. Bastos P. Estado e política na independência. In: GRINBERG, Keila e SALLES, Ricardo. O Brasil imperial, vol. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 95-136.

OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. Repercussões da revolução: delineamento do império do Brasil, 1808-1831. In: GRINBERG, Keila e SALLES, Ricardo. O Brasil imperial, vol. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 15-54.

2.4.16

20: o número que inspirou revoltas no Brasil

Em junho de 2013, ocorreu um reajuste de R$ 0,20 na tarifa do transporte público em São Paulo que desencadeou uma grande revolta popular e uma série de protestos na capital paulista que, rapidamente, se alastrou pelo país afora.

Polícia tenta conter manifestantes em São Paulo (2013).


Nas demais capitais e em centenas de cidades brasileiras o povo foi para as ruas protestar, fazendo inúmeras reivindicações, tais como mais investimentos para saúde, educação, saneamento básico, mais transparência no governo, melhor uso do dinheiro público e o fim da corrupção. 



O aumento da tarifa no transporte público foi, em suma, o estopim de uma grande revolta popular que acabou se espalhando por todo o território nacional e trouxe à tona outros problemas e reivindicações que preocupavam os brasileiros.

Acontece que não é a primeira vez que a população brasileira se revolta por conta de um aumento no valor do transporte público. Em 1879, ainda no período em que éramos governados pelo imperador D. Pedro II, o povo do Rio de Janeiro também se rebelou contra o aumento no transporte.
Esse fato ficou conhecido como a Revolta do Vintém , que como o nome sugere, ocorreu devido ao aumento de 20 réis na taxa do bonde.

Então, vamos conhecer um pouco mais sobre ela!

Naquela época, o transporte público era realizado por bondes puxados por mulas, que carregava trinta pessoas. 

Bondes - principal meio de transporte do Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX.


Por um decreto ministerial, ficou estabelecido a cobrança de 20 réis (ou um vintém) sobre o valor dos bilhetes dos bondes que circulavam no Rio de Janeiro, fato que enfureceu a população.

O motivo da revolta!


Os jornais republicanos, contrários á monarquia e a continuidade do imperador no poder, aproveitaram o momento para noticiar o aumento e acabaram contribuindo para instigar a revolta popular, já massacrada pela carestia, desemprego e falta de condições sanitárias.

No dia 28 de dezembro de 1879, cerca de cinco mil pessoas, lideradas pelo jornalista republicano Lopes Trovão, tentaram entregar um abaixo assinado para D. Pedro II, solicitando o fim do vintém (a taxa de vinte réis). Mas a polícia não deixou a população se aproximar do palácio. O imperador disse que aceitaria receber uma comissão de representantes para negociar a reivindicação, mas não houve acordo e começaram os conflitos.

Primeiro os manifestantes divulgaram panfletos pela cidade conclamando o povo a boicotar a taxa, depois organizaram nova manifestação para o dia 1º de janeiro de 1880, no centro do Rio de Janeiro, a qual foi marcada por violência e repressão policial.


Charge ilustra o conflito na Guerra do Vintém / FBN (Revista de História).

Ao som de "fora o vintém!", o povo começou a virar os bondes, espancar os condutores, esfaquear as mulas e destruir os trilhos ao longo das ruas. Paralelepipédicos foram arrancados do chão e lançados contra a polícia e tropas do exército, que responderam com fogo.
Ao final da batalha, estima-se que houve de três a dez mortos e de 15 a 20 feridos.

As agitações populares se sucederam por mais alguns dias, houve mudança ministerial e, dois meses após os protestos, a taxa foi extinta! A revolta teve uma conotação política, republicanos contra o regime monarquista, mas ela ocorreu, é evidente, por conta da insatisfação da população, que necessitava do transporte público.

Esse evento histórico serviu para mostrar o descontentamento do povo, ou de parte dele, com o regime monárquico, que mantinha suas bases políticas na manutenção do latifúndio, do trabalho escravo e da exploração da população com a cobrança de impostos e taxas.


Assista ao vídeo que tenta reconstituir o clima da Revolta do Vintém: