27.4.15

Um imperador na minha cidade

Ano 1881. Local: Cidade de Leopoldina, província de Minas Gerais.

A cidade fora assim chamada em homenagem à segunda filha do Imperador D. Pedro II, a princesa Leopoldina. Por conta de seu nome, um periódico local publicou uma nota do Padre Luiz Lopes Teixeira, na qual exaltava a identificação da cidade com o regime monárquico. A esse respeito, dizia que a cidade, "...cujo nome, tomado, na sua creação, por seus habitantes, externa a identidade dos sentimentos monarchicos, por ser nome tirado da Augusta prole de Vossa Magestade imperial". (O Leopoldinense, 24 de abril de 1881, p. 2).
Princesa Leopoldina. Anônimo. Ca. 1853. Daguerreótipo. 13 x 10,4cm.  Acervo do Arquivo Histórico do Museu Imperial.

Cercada por montanhas e fazendas de café, onde trabalhavam milhares de escravos (em 1876 a região concentrava a maior população escrava da Zona da Mata mineira (http://web.cedeplar.ufmg.br/cedeplar/site/diamantina2002/textos/D10.PDF p. 11), a antiga vila crescera, fora elevada à condição de cidade em 1861 e respirava ares de modernidade com a chegada, em 1877, da linha férrea, das estações e das locomotivas.


(O Leopoldinense, 24 de abril de 1881).
O trem ajudava a escoar o café para os grandes centros consumidores, incluindo o porto do Rio de Janeiro, de onde o produto seguia para o exterior, garantindo mais lucros para comerciantes e grandes cafeicultores. Na década de 1870, o café produzido na Zona da Mata respondia por cerca de 60% da arrecadação de toda a província de Minas Gerais. (Fábio W. A. Pinheiro. O Tráfico de escravos na Zona da Mata Mineira: Minas Gerais, 1808 – 1850). Portanto, a região era rica e economicamente importante para a província e para o império. 

O crescimento econômico da cidade de Leopoldina, baseado na monocultura do café e no trabalho escravo, proporcionou o surgimento de ricas famílias, cujos líderes eram proprietários de terras e influentes políticos, como os Monteiro de Barros.
Vista da sede da Fazenda Niagara - distrito de Abaíba, pertencia a influente família Ribeiro Junqueira. Exemplo da opulência local na segunda metade do século XIX (Foto de outubro de 2014).
Nas primeiras décadas do século XIX, a referida família já acumulava riqueza e poder no cenário regional, como demonstra o historiador Angelo Alves Carrara na seguinte passagem:

"Esta família conseguiu apropriar-se de um vasto patrimônio agrário, cuja distribuição foi muito facilitada pela presença de alguns de seus membros importantes nos cargos mais altos do governo da capitania e depois da província: o comendador Manuel José Monteiro de Barros, Romualdo José Monteiro de Barros (Barão de Paraopeba, membro da segunda Junta do Governo Provincial) e o desembargador e ouvidor Lucas Antônio Monteiro de Barros. Só o comendador Manuel José obteve a concessão de quatorze sesmarias. No total, oito membros da família possuíam vinte e quatro sesmarias." (ESTRUTURAS AGRÁRIAS E CAPITALISMO; contribuição para o estudo da ocupação do solo e da transformação do trabalho na zona da Mata mineira (séculos XVIII e XIX), p. 20. Disponível em http://historia_demografica.tripod.com/pesquisadores/angelo/estrutura-texto.pdf). 

Tamanho poder e influência política chamava a atenção das autoridades, inclusive de sua majestade o imperador D. Pedro II, o qual visitou, por inúmeras vezes, a província de Minas Gerais e a Zona da Mata, que como vimos era uma próspera e destacada região mineira. 

D. Pedro II. Fotografia de 1870.
Importante destacar que as viagens que o Imperador fez por todo o país possuíam um significado político, pois o monarca se apresentava para os súditos como o representante da nação e da unidade do Império (Ver Alvarenga, Susiely. As viagens de D. Pedro II à província de Minas Gerais em 1881[manuscrito] : festividades, política e ciência / Susiely Alvarenga - 2012.191f.: il.). D. Pedro II era o elo entre a corte com as demais regiões, sua presença servia para fortalecer os laços de poder com as elites locais do interior do Brasil. Alguns ilustres cidadãos residentes nas cidades visitadas pelo Imperador eram, inclusive, agraciados com títulos de nobreza e honrarias imperiais para reforçar alianças e a lealdade local com monarca. 

Numa das viagens que fez à província, em 1881, D. Pedro II visitou Leopoldina, situada na Zona da Mata mineira. Era comum que as cidades que recebessem Sua Majestade Imperial organizassem uma grande recepção. As ruas eram enfeitadas com flores, as casas iluminadas, havia banda de música, comemorações religiosas e civis.

Em Leopoldina não foi diferente, alguns dias antes da chegada do Imperador, o jornal da cidade, "O Leopoldinense", repercutia o fato e discutia os preparativos para a recepção da maior autoridade do Império e quem iria arcar com os custos de tais provimentos.
As páginas do jornal local exaltavam a visita do Imperador como a "maior e mais elevada distincção a que esta cidade possa aspirar..." Em destaque o Brasão de D. Pedro II.  (O Leopoldinense, 30 de abril de 1881. p. 2).

Organizar uma recepção "com as pompas e festas" digna do Imperador era algo caro. O jornal questionava quem iria custear a visita de D. Pedro II e de sua comitiva - a Câmara Municipal (órgão que era a prefeitura da cidade naquela época) ou os cidadãos, empregando recursos próprios.

O periódico reproduziu em suas páginas o dilema do município:
"applicar os dinheiros municipaes aos festejos com a recepção do Imperador e prejudicar sem uma razão legal todos os ramos do serviço publico attendidos pelas verbas orçamentarias, de que se retirassem aqueles dinheiros ou sollicitar de outra fonte a precisa quantia, embora corresse o risco de não poder levar a effeito os ambicionados festejos,..." (O Leopoldinense, 21 de abril de 1881. p. 1).    

O jornal da cidade louvou a escolha da segunda opção, isto é, a busca de dinheiro para a festa de boas vindas junto a particulares, poupando assim os recursos dos cofres públicos municipais. 

A cidade estava mobilizada com os preparativos para receber o imperador. O papel de liderar a organização da festa ficou sob a responsabilidade da Irmandade do SS Sacramento, uma associação ligada à Igreja Católica, formada por membros do Clero e da sociedade civil, e do "Club Agricola". O município foi todo decorado com flores. Lírios e dálias foram colhidos para serem espalhados pelos caminhos que seriam percorridos por D. Pedro II.


Lírios e Dálias embelezavam a cidade para receber a família imperial.

Na linha férrea próxima à fazenda do Desengano e em outros pontos da cidade, foram instaladas girandolas de onde sairiam fogos para celebrar a chegada do Imperador.

No dia 30 de abril de 1881, numa bela manhã de sábado, por volta das onze e trinta horas, o trem que trazia sua Majestade e sua comitiva, incluindo a Imperatriz Teresa Cristina, chegou à Estação da cidade.


Imperatriz Teresa Cristina. Foto disponível no site do Museu Imperial.

Segundo o relato do jornal "O Leopoldinense", edição de 1 de maio de 1881, a estação de trem estava tomada pela população. Havia autoridades municipais, vereadores, políticos, militares, membros do clero, diversas famílias e bandas de música.

Após a festiva recepção, o Imperador, sua comitiva e os convidados saborearam um delicioso banquete, regado a vinhos e perfeitos preparados, oferecido pelo Restaurante Carceler.
Como era de costume, D. Pedro II visitou os prédios públicos, como a Cadeia, a Câmara, a Matriz e a Escola. Sobre isso, registrou o seguinte em seu diário pessoal de viagem:


Na estação de Vista Alegre (10h 35’) tomou-se o ramal da Leopoldina. Aí cheguei às 11 ½ à casa de um amigo de Gervásio Monteiro de Barros sobrinho neto do Congonhas.

Almoço que interrompi às 12.

Câmara e cadeia — idem. A casa não é má. Aula primária de meninos que não me desagradou. A sala é muito pequena. Colégio de meninas que não me pareceu mau, tendo a mestra fisionomia inteligente. Aula 1ª de meninos do grau superior. Sofrível. A aula 1ª de meninas não tem agora professora. O cura não explica doutrina aos meninos na igreja como quase nenhum faz.

Oração na igreja de onde se goza de boa vista; subida íngreme; fomos de trole e de lá por boa ladeira para a estação. 

(Diário de D. Pedro II. Viagem a Minas Gerais – Segunda Parte. Volume 25. 19 a 30/04/1881).

A comitiva imperial foi recebida por um membro da importante família Monteiro de Barros, detentora de terras, produtores de café e influentes políticos a nível provincial.


Em seu diário, D. Pedro II registrou suas impressões sobre os prédios públicos (Câmara e cadeia) e visitou o colégio de meninos e de meninas e parece não ter se impressionado com as aulas e com o ensino no município.


Depois dirigiu-se, de carruagem, à Igreja (atualmente está a Igreja Nossa Senhora do Rosário) onde orou e pode apreciar a vista da cidade.


Dali, seguiu para a estação e antes de embarcar entregou ao sr. barão da Leopoldina a quantia de 500$, dos quais 200$ deveria ser destinado à "pobreza" e 300$ para a aquisição de livros para o "Club Agricola". Às 13 horas e 45 minutos, sob vivas e foguetórios,  a comitiva partiu com destino à Corte (Rio de Janeiro), onde foi encerrada a primeira viagem real à Minas Gerais no ano de 1881.


A euforia e a comoção gerada pela visita imperial, contudo, não foram suficientes para que a imprensa local deixasse de registrar pequenos incidentes, embora não tenham chegado a atrapalhar as celebrações oficiais. O jornal noticiou que no "alto do morro ao incendiar-se as salvas ali collocadas, fracturou a perna direita o fogueteiro..." e um escravo, o pardo Manoel Bernardo, se feriu. O Leopoldinense, 1 de maio de 1881, p. 2).
  
Pouco mais de uma semana após a conclusão dessa viagem, D. Pedro II enviou uma correspondência para sua filha, a princesa Isabel, relatando o ocorrido e sua passagem por Minas Gerais:

Cara Filha 


O diário lhe teria dito como foi interessante minha viagem a Minas. Esta província tem grandes elementos de prosperidade. 

Não falo de suas montanhas de ferro e de ouro e outros minerais. Tem regiões fertilíssimas por todas as culturas mesmo para o trigo de que comi muito bom pão. A escola de Minas pode servir de modelo. 


(Cartas de D. Pedro II a Isabel. Carta de 08 de Maio de 1881). 



Importante destacar que as viagens oficiais do Imperador tinham um caráter simbólico e político, visando levar ao interior de seu Império e aos seus súditos os ritos, os costumes e a representação do Poder real.

Assim sendo, a presença de Sua Majestade e de sua comitiva materializavam, nos locais mais afastados da sede do império, o regime monárquico em vigor no Brasil.

O momento histórico era delicado, tendo em vista que os grandes produtores rurais criticavam o governo imperial e o processo de abolição da escravatura, que tomava forma. Isso representava um risco para a unidade do Império. Nesse contexto, as visitas de D. Pedro II ao interior serviam como uma estratégia política, com as quais o imperador distribuía cargos, títulos honoríficos e até recursos financeiros para os locais visitados, tudo com o objetivo de tentar manter a unidade nacional, firmar alianças com as elites locais e tentar minimizar os rumores da implantação de uma República no Brasil.


Apesar de todos os esforços imperiais, os rumos da História política brasileira sinalizavam mudanças, e oito anos após visitar Leopoldina foi proclamada a República, sob a égide dos militares e com o apoio dos grandes produtores rurais, principalmente dos paulistas, os quais estavam insatisfeitos com a Monarquia. A família real foi enviada ao exílio e do navio que a conduzia para a Europa assistiram à ruína do regime monárquico no Brasil.


Com relação à breve passagem de D. Pedro II por Leopoldina, foi um marco histórico para o local, um reconhecimento de seu prestígio e influência política e econômica ao final do século XIX. Embora os tempos de glória e opulência do município tenham ficado para trás, a memória da visita imperial continua viva nas páginas da história desta cidade.  


Referências de pesquisa


GENOVEZ, Patrícia Falco. A viagem enquanto forma de poder: a viagem de Pedro II e a inauguração da rodovia União e Indústria, em 1861Tempo, Rio de janeiro, Vol. 3, n° 5, 1998, pp. 161-180. 1.

MACHADO, Cláudio Heleno. Tráfico interno e Concentração  de população escrava no
principal município cafeeiro da Zona da Mata de Minas Gerais: Juiz de Fora (Segunda metade do século XIX)X Seminário sobre a Economia Mineira. 

PIRES, João Ricardo Ferreira. Notas de um Diário de Viagem a Minas Gerais: política e ciência na escrita viajante do Imperador D. Pedro II (1881). Dissertação apresentada na Pós-Graduação em História/UFMG como requisito parcial à obtenção do título de mestre
Linha de Pesquisa: História e Culturas Políticas. Orientadora: Eliana de Freitas Dutra

ALVARENGA, Susiely. 
As viagens de D. Pedro II à província de Minas Gerais em
1881[manuscrito] : festividades, política e ciência / Susiely Alvarenga - 2012. 191f.: il. Orientador: Prof. Dr. Ronaldo Pereira de Jesus. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Departamento de História. Programa de Pós-graduação em História. Área de concentração: Poder e Linguagens.

Volume 25: Viagem a Minas Gerais (Segunda parte) 19 a 30/04 de 1881.


Jornal O Leopoldinense. Abril e Maio de 1881.

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